O lançamento do relatório "Perspectivas Agrícolas 2011-2020" precede a reunião de ministros de Agricultura do G-20, que será realizada nos dias 22 e 23 e trará para a mesa de negociações um pacote de medidas que tentará, no médio a longo prazos, estimular o aumento da produção global e reduzir a volatilidade nos mercados de commodities agrícolas, que nos últimos anos elevaram índices inflacionários e chegaram a provocar protestos nas ruas de diversos países.
As duas entidades avaliam que essa impressionante volatilidade, que já entrou em seu quinto ano consecutivo, vai perdurar, e que os preços de muitas commodities básicas para a produção de alimentos deverão se manter em patamares mais elevados tanto em termos nominal como real se comparados aos da década anterior (2001-2010).
A expectativa é que os custos de alimentos até declinem em relação aos níveis do início de 2011, dependendo do produto. Mas, em média e em termos reais, deverão subir até 50% no caso das carnes e 20% no dos cereais nos próximos anos. O Brasil, principal país exportador de carnes, com 20% e 25% do mercado mundial, e com boas perspectivas para o milho, por exemplo, tende a abocanhar boa parte do ganho. As projeções se baseiam em um horizonte de desaceleração do crescimento populacional, dólar fraco, preços de energia em alta e – apesar das commodities – inflação moderada.
Os custos da produção agrícola estão em ascensão e o crescimento da produtividade sofreu uma perigosa desaceleração. Pressões sobre os recursos naturais, principalmente água e terras, aumentaram. Como as terras mais férteis já estão sendo utilizadas e mesmo declinando em algumas regiões, a produção tende a se expandir em terras marginais com menor fertilidade e maiores riscos de problemas meteorológicos.
É verdade que, no curto prazo, a produção agrícola deverá crescer, como uma resposta natural dos produtores aos atuais preços elevados. Mas a expansão agrícola global será de modestos 1,7% ao ano, em média, ante a taxa de 2,6% da década passada. A maioria das colheitas tende a se expandir menos, especialmente no caso de oleaginosas (grupo que inclui a soja) e grãos forrageiros (milho entre eles). A pecuária manterá o ritmo dos últimos anos. Apesar de menor expansão, a produção per capital pode crescer 0,7% ao ano.
A desaceleração global da melhoria do rendimento de importantes culturas, entretanto, continuará a pressionar os preços internacionais, em um tabuleiro em que os maiores crescimentos da oferta virão de fornecedores que detêm boas tecnologias.
As projeções confirmam a continuidade da gradual mudança na divisão das fatias dos mercados agrícolas, que migram de países desenvolvidos para nações em desenvolvimento. À América Latina, motor do recente avanço agrícola global, deverá se unir o Leste Europeu. As duas regiões serão supridoras cada vez mais importantes nesta década. Suas áreas plantadas e produtividade deverão aumentar, e também haverá expansão para a pecuária.
OCDE e FAO estimam que, apesar do "fim do crescimento espetacular" do complexo soja (grão, farelo e óleo), Brasil e Argentina continuarão com sólidos crescimentos em oleaginosas, cereais e gado de corte, graças a custos de produção relativamente menores. A América do Norte, liderada pelos EUA, é a única região de alta renda que expandirá significativamente a agricultura. A Europa Ocidental perderá mais competitividade e produção, pressionada por preocupações ambientais, custos e limitação de terras.
Já no lado da demanda, o crescimento populacional e o aumento da renda em grandes emergentes como China e India sustentarão compras firmes de commodities. Arroz, carne, lácteos, óleos vegetais e açúcar deverão ter os maiores aumentos de consumo.
O uso de matérias-primas agrícolas para biocombustíveis manterá um "crescimento robusto". Até 2020, nada menos do que 30% da produção de cana, 15% de óleos vegetais e 13% de grãos deverão virar etanol e biodiesel, num contexto em que as elevadas cotações do petróleo terminarão por viabilizar a produção de biocombustiveis mesmo sem os já combatidos subsídios estatais.
O relatório reforça que a produtividade continua a ser um influente fator na formação dos preços de colheitas. A variação no rendimento de grandes lavouras de paises exportadores são uma fonte primária da volatilidade, segundo OCDE e FAO. A severa seca na Rússia e na Ucrânia no ano passado e o excesso de umidade nos EUA ilustram a rapidez com que o equilíbrio do mercado pode mudar. Além disso, o estudo aborda o maior peso dos mercados de energia na transmissão de volatilidade à agricultura, por seu peso nos custos de produção e por causa da "competição" dos biocombustíveis.
As entidades destacam os desafios para enfrentar a insegurança alimentar global e as oportunidades que se abrirão aos produtores com os preços internacionais mais elevados nos próximos dez anos. Notam que períodos prolongados de preços altos da cadeia alimentar deflagram sinais de alarme sobre "instabilidade econômica e insegurança alimentar em vários países em desenvolvimento", e não descarta uma nutrição de má qualidade entre consumidores pobres.
Em geral, porém, OCDE e FAO concluem que preços mais elevados "são um sinal positivo e bem vindo para um setor que tem experimentado declínio real nos custos das commodities por várias décadas e podem estimular investimentos no aumento da produtividade e da produção, necessários para atender à crescente demanda por alimentos".
As duas entidades ressalvam que nem sempre os incentivos trazidos por cotação internacional melhores chegam ao bolso dos produtores, em virtude de custos de transações elevados ou políticas nacionais de intervenções nos mercados. No segmento pesqueiro, a projeção é que a produção global aumentará 2,8% ao ano até 2020, bem menos do que na década passada, por causa de redução ou estagnação na captura de pescados. Até 2015, a aquicultura poderá representar mais da metade do consumo global de peixes. Os preços médios dos pescados capturados podem subir 23% até 2020, ante alta de 50% na aquicultura.
Horizonte favorece avanço do Brasil
O Brasil aumentará as exportações de praticamente todas as suas principais commodities agropecuárias, apesar da tendência de o real valorizado limitar o aumento dos embarques a um nível inferior ao de anos recentes, afirmam OCDE e FAO no relatório conjunto "Perspectivas Agrícolas 2011-2020".
O aumento das vendas brasileiras ocorrerá em um cenário no qual o comércio agrícola mundial deverá crescer apenas 2% ao ano, em média, metade da taxa da década passada. As entidades acreditam que haverá aumentos modestos de produção nos exportadores tradicionais, de um lado, e maior produção doméstica por importadores para atender suas demandas, de outro.
Em todo caso, haverá uma expansão substancial no comércio de alguns produtos agrícolas até 2020. A expectativa é que o volume de exportação cresça mais de 20% nos casos de açúcar, arroz, grãos forrageiros e oleaginosas, principalmente o óleo de palma produzido em grande escala por Indonésia e Malásia, em mais um exemplo de que mesmo que alguns países desenvolvidos continuem exportadores dominantes de vários produtos, as fatias de mercado estão gradualmente aumentando para os emergentes.
Exportadores dos principais cereais, como Rússia, Ucrânia, Cazaquistão e outros da Europa do Leste e da Asia Central tendem a avançar rapidamente, embora a partir de uma base relativamente baixa.
O crescimento do comércio de carnes de alto valor agregado pelos EUA também está previsto. Já as exportações da União Europeia vão estagnar por causa da baixa produção e do euro forte.
No lado das importações, espera-se um rápido crescimento na Africa do Norte e no Oriente Médio, em razão da maior renda do petróleo. Na África subsahariana, a demanda adicional não será atendida pela produção doméstica.
Mas também surge um novo "ambiente" no comércio de cereais. Para o trigo, o comércio mundial é relativamente estável. Mas o grupo de exportadores tradicionais – como EUA, Canadá, Austrália, Argentina e União Europeia – está diminuindo e poderá representar menos de 60% até 2020. Já a fatia da Rússia e de outros fornecedores novos tende a aumentar para 30%.
A exportação de oleaginosas, por sua vez, continuará crescendo mais rapidamente do que a de outros produtos, com a América do Sul reforçando sua posição de lider mundial. No entanto, a Argentina, baseada na soja, poderá perder fatias de mercado em óleos vegetais justamente para Indonésia e Malásia, já que destina parte de sua produção para biodiesel.
As exportações de açúcar continuarão dominadas pelo Brasil, com sua fatia de mercado superior a 50% do comércio mundial e, na prática, o grande formador dos preços internacionais.
No comércio de carnes, o Brasil é igualmente o exportador dominante. Mas os EUA deverão aumentar sua presença no mercado de carne bovina e se tornarem o maior exportador de carne suína. As exportações de produtos lácteos continuarão a crescer a partir da Oceania, mas outras fontes vão entrar no mercado.
Os pescados, finalmente, continuarão a ser amplamente comercializados internacionalmente, com 38% da produção sendo exportada até 2020. Os países desenvolvidos serão os principais importadores, e os países em desenvolvimento, os maiores vendedores. (AM)
Fonte: Valor Econômico – Mauro Zanatta
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