A pandemia do novo coronavírus influenciou a economia de modo geral, mas nem todos os setores da mesma maneira. Logo nos primeiros dias da chegada do vírus ao Brasil, em março, pessoas correram aos supermercados para estocar papel higiênico. Com a necessidade de isolamento social, aumentaram os serviços de entrega (delivery) e a decorrente demanda por embalagens. Por outro lado, caiu o uso de papel para impressão em escritórios e repartições, muitos dos quais adotaram o trabalho em casa.
Todas estas mudanças influenciaram intensamente o setor de papel e celulose, segmento que vem se confirmando há décadas como um dos mais promissores e competitivos do país e que tem no Paraná um de seus principais expoentes.
Tanto o papel quanto a celulose têm como matéria-prima as árvores plantadas (eucalipto e pinus), setor que está intimamente ligado à produção rural. Tal como na soja ou na cana-de-açúcar, a performance destas plantas se beneficia das características de clima e solo, garantindo bom desempenho no campo, e das condições econômicas, em especial o custo de produção, para garantir a competitividade dos produtos lá fora.
A produtividade das árvores brasileiras é a maior do mundo: 36 m³ por hectare ao ano no caso do eucalipto e 30,1 m³ ha/ano quando pinus. Outros concorrentes têm números na casa dos 30 m³ e 20 m³ respectivamente. Além disso, por aqui, a rotação das florestas é mais rápida, ou seja, menos tempo entre o plantio e a colheita.
Desta forma, não surpreende que os produtos florestais como um todo (incluindo painéis e pisos de madeira, entre outros) venham logo depois do complexo soja e das carnes quando se trata de exportações do agronegócio brasileiro.
Competitividade e oportunidade
“Estes dois segmentos, principalmente o de celulose, são muito competitivos em nível mundial. Para se ter ideia, o Brasil exporta tecnologia. Nossos serviços não precisam ser importados, como ocorre nas indústrias de bens e capital. Além disso temos estrutura e custo baseados em real e a receita em dólar”, sintetiza o economista-chefe da Lafis Consultoria, Felipe Souza, especialista em papel e celulose.
Na visão de Souza, estes fatores conferem às indústrias brasileiras mais condições para suportar os solavancos econômicos decorrentes da pandemia. “No longo prazo tende a ser positivo [para a indústria brasileira]. Quando o preço da celulose cai, acaba por pressionar a produtividade das indústrias em termos globais e tende a afetar mais quem tem um custo operacional mais alto. Algumas unidades na América do Norte podem até vir a fechar. Já as indústrias brasileiras têm uma musculatura maior para aguentar essa turbulência”, avalia.
No primeiro trimestre deste ano, as exportações brasileiras de celulose e papel recuaram -31% e -6,6%, respectivamente na comparação com o mesmo período de 2019. Na opinião do especialista, números mais atualizados devem trazer resultados piores. “De janeiro a março pegou pouca pandemia. Acredito que de abril a julho vamos sentir maiores efeitos, mas o setor vai continuar operacional até o final do ano, e ainda deve conseguir um aumento, mesmo que pequeno”, avalia Souza.
O valor da celulose de fibra curta no mercado interno também recuou. Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), a cotação da tonelada do produto no varejo em São Paulo caiu de US$ 902,24 em julho de 2019 para US$ 680 no mesmo mês deste ano. Em movimento contrário, o preço médio da tonelada do papel offset em bobina, que no mesmo mês de 2019 era R$ 3.083,58, passou para R$ 4.113,27 em 2020.
Segundo o consultor, o desaquecimento na demanda de alguns setores foi compensado pelo aquecimento de outros. “Houve um direcionamento para embalagens e higiene. Isso que segurou”, observa Souza.
Gigante paranaense
A percepção do consultor vai ao encontro da experiência constatada pela Klabin durante o início pandemia. A empresa instalada no Paraná produz diversos produtos com destaque para embalagens para alimentos e de higiene, além de celulose do tipo fluf (fibra longa). Em 2019, a gigante do setor vendeu 3,32 milhões de toneladas dos seus produtos e planeja investimentos da ordem de R$ 9 bilhões para os próximos anos em uma nova unidade produtiva (projeto Puma II).
Segundo o diretor industrial de papel da companhia, Arthur Canhisares, a pandemia imprimiu algumas mudanças. “[A demanda por produtos] de higiene e limpeza aumentou bastante. Nos gêneros alimentícios, embalagens de leite e suco, por exemplo, houve uma pequena mudança no perfil de consumo, deixou- -se de consumir as pequenas porções e passou-se a consumir a embalagem familiar”, observa.
Esta mudança de hábitos pode refletir alguns desdobramentos do isolamento social imposto pela pandemia, que levou as pessoas a comerem mais em casa e, assim, adquirirem porções maiores para evitar sair mais vezes para fazer compras.
Segundo a Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), entidade que representa as empresas do setor florestal, dos 1,57 milhão de hectares ocupados por pinus em todo Brasil em 2018, 42% estavam no Paraná. Grande parte destas áreas destina-se à produção da Klabin, que atua no Estado desde 1942.
De acordo com Canhisares, os planos de expansão que vinham sendo traçados pela empresa não mudaram com a pandemia. “Hoje produzimos 2,5 milhões de toneladas, entre celulose e papel. Com esse novo investimento no projeto Puma II vamos para 3,5 milhões de toneladas”, afirma. O que mudou foi o sentimento de responsabilidade sentida durante este período. “Além de cuidar da saúde dos nossos colaboradores, adotando protocolos bastante rígidos em todas as operações, pois não podíamos deixar faltar embalagem”, diz.
Vale lembrar que o setor de papel e celulose já passou por crises mais contundentes. “Há dez anos com os portais de notícias na internet e o Kindle [dispositivo digital para leitura de livros], muita gente achou que o fim do uso do papel seria mais rápido. Não acabou e, por mais que tenha sua importância afetada, continua sendo muito relevante”, observa Souza, da consultoria Lafis.
O papel das exportações
Segundo a Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), entidade que representa as empresas de árvores plantadas, em 2019 o país produziu 10,53 milhões de toneladas de papel e 19,69 milhões de toneladas de celulose. Estes números garantem ao Brasil o segundo lugar no ranking mundial da celulose, atrás dos Estados Unidos, e oitavo lugar na produção de papel. Os principais destinos das exportações brasileiras são a China, Estados Unidos e Europa, que apesar de serem grandes produtores, também são grandes consumidores destes produtos.
Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), entre janeiro e junho de 2020, o Paraná exportou 535 mil toneladas de celulose e 309 mil toneladas de papel. Estes dois setores representam cerca de 47% no total de produtos florestais exportados pelo Estado.
Nos primeiros seis meses de 2020, o Paraná foi o primeiro colocado entre os Estados brasileiros no ranking das exportações de produtos florestais, movimentando cerca de 1,8 milhão de toneladas de itens como papel, celulose, pisos e painéis de madeira, sendo que esse último teve um aumento significativo nos negócios. No primeiro semestre, os principais destinos foram os Estados Unidos, China e Argentina.
“As exportações aumentaram relevantemente para Europa, Ásia e Mercosul. Mantivemos o número de saídas, com foco em [produtos de] alimentação e essencialidade”, observa o diretor de Planejamento Operacional, Logística e Suprimentos da Klabin, Sandro Ávila.
Segundo o dirigente, “houve um desaquecimento no mercado interno dos produtos acessórios e automotivos. Em contrapartida, os setores alimentício e de limpeza aceleraram. Na Klabin percebemos aumento na exportação. Houve uma reconfiguração”.
Para facilitar o escoamento da produção rumo ao mercado externo, a Klabin arrematou, no ano passado, uma área no Porto de Paranaguá, onde será construído um terminal para movimentação de celulose. “A pandemia não afetou o plano macro da companhia, de verticalizar totalmente a exportação de celulose, criando uma condição de competitividade muito maior. Trata-se de um projeto longo desenvolvido há muitos anos, estamos em uma fase de projetos detalhados para começar as obras ainda esse ano”, adianta Ávila.
Todo trajeto das unidades produtivas da Klabin até o Porto de Paranaguá é feito por via ferroviária. “Temos conexão ferroviária da fábrica até Paranaguá. Temos ramal de ligação à linha principal da malha ferroviária. São 27 quilômetros de ramal privado que conectou as fábricas com a linha principal. Tudo es coado por ferrovia”, afirma o diretor da empresa.
A logística é uma grande preocupação a companhia, que tem no mercado externo um importante consumidor “Nosso complexo no Paraná é bastante exportador. Vamos passar de 60% da produção exportada”, finaliza Ávila.
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