Em junho deste ano, o aldeamento indígena Rio das Cobras, próximo a Guarapuava, recebeu, pela primeira vez na sua história, um curso do SENAR-PR. Na ocasião, os indígenas das etnias Kaigang e Guarani que ali residem, tiveram a oportunidade de conhecer o funcionamento de tratores por meio do treinamento “Operação e manutenção de tratores agrícolas”. Em breve, outro curso da instituição será realizado no aldeamento, na área de meliponicultura (abelhas sem ferrão).
Outras capacitações também vêm ocorrendo em outras terras indígenas localizadas no Paraná. Essas ações têm um mesmo objetivo: contribuir na transição para a sustentabilidade destes povos dos pontos de vista econômico, social e ambiental. Também foram realizados cursos do SENAR-PR nas terras indígenas de Ivaí (município de Manoel Ribas) e de Faxinal (Cândido de Abreu). A estratégia vai ao encontro de uma nova visão da Fundação Nacional do Índio (Funai), que também vem sendo replicada em outros Estados brasileiros.
“O objetivo é qualificar os indígenas para que possam trabalhar nas lavouras sem depender tanto de parcerias externas, agregando maior retorno financeiro e, assim, podendo gerar mais recursos para as famílias e a comunidade”, explica o chefe do Serviço de Gestão Ambiental e Territorial da Coordenação Regional da Funai em Guarapuava, Alvaci Jesus Salles Ribeiro.
Além de operação e manutenção de tratores e plantadeiras, também foram realizados cursos nas áreas e aplicação de agroquímicos e gestão rural. “Propusemos este curso para que os indígenas e também os servidores da Funai obtivessem mais conhecimento na área administrativa e contábil sobre noções de como calcular os custos de produção e estimar os ganhos”, completa o indigenista especializado da Funai Rafael Illenseer.
Essa transição para a sustentabilidade nas aldeias indígenas tem como pano de fundo o combate ao arrendamento de terras e à parceria agropecuária e extrativa que, apesar de proibidas por lei, são práticas frequentes em muitas terras indígenas em diversas regiões do Brasil.
A população jovem das aldeias está no centro destas ações. “Depois de concluírem o ensino médio, eles ficam meio sem rumo. Hoje temos dentro da aldeia uma extensão da [instituição universitária] Unicentro, mas muitos querem uma formação mais rápida”, explica Neoli Kafy Rygue Olibio, liderança e presidente da Associação Comunitária da Terra Indígena de Rio das Cobras. Segundo ele, essa população jovem tem vontade de consumir e acessar tecnologias, mas para isso precisa de uma fonte de renda.
O primeiro curso realizado na aldeia, voltado à operação e manutenção de tratores, não foi escolhido ao acaso. “Temos 960 hectares de área mecanizável. Futuramente queremos ter nossas próprias máquinas”, afirma Olibio. Atualmente a produção de Rio das Cobras é voltada apenas para subsistência, mas existem projetos em diversas áreas para mudar essa realidade.
Novo horizonte
Um deles envolve a recuperação de solos degradados por meio do cultivo de erva-mate. Também existe disposição de fazer cursos do SENAR-PR nas áreas de meliponicultura e de agricultura orgânica. “Acredito que em três, quatro anos vamos ter excedente para comercializar”, prevê o presidente da Associação.
Nas outras terras indígenas, os cursos realizados pelo SENAR-PR também acompanharam a vocação local. No aldeamento de Ivaí, foram realizados quatro cursos: “Operação e manutenção de tratores”, “Operação e manutenção de plantadeira/semeadeira”, “Aplicação de agrotóxicos” e “Introdução a gestão rural”. Na Terra Indígena Faxinal foi realizado o curso “Operação e manutenção de tratores”.
“A Funai apoia iniciativas que promovem a autonomia dos povos indígenas, por meio da geração de renda, de forma responsável. O que propusemos, neste primeiro momento junto ao SENAR-PR, foi buscar apoio à capacitação de indígenas para que possa contribuir na transição para sustentabilidade”, afirma Ribeiro, da Funai em Guarapuava.
No que se refere à gestão do próprio negócio, o curso do SENAR-PR teve importância adicional, uma vez que os indígenas desconhecem, em sua maioria, os princípios que norteiam estimativas de custos e preços dos produtos.
“Eles precisam melhorar na área gerencial, compreender que apesar de negociarmos um produto, seja de subsistência ou não, temos que ter o entendimento de quanto gastamos para produzi-lo. Esse é um ponto que precisa ser fortalecido, pois o mercado dita o preço da venda, e eles precisam entender se estão fazendo um bom negócio”, pontua Alex Fernandes de Almeida, instrutor do SENAR-PR na área de gestão, que ministrou o curso na terra indígena de Ivaí.
Segundo ele, não houve adaptação no conteúdo do curso para se adequar à realidade desse público. “Foi o curso normal, de 40 horas. Trabalhamos dando para eles a necessidade de ter o conhecimento da empresa rural como um todo”, afirma Almeida, que considerou a experiência de ministrar um curso para indígenas uma “oportunidade fantástica”. “A questão cultural do indígena é diferente da nossa. Foi gratificante o convívio com eles, conhecer seus valores, a busca pela gentileza, por desbravar novos horizontes”, relembra.
A expectativa é que mais cursos do SENAR-PR cheguem aos aldeamentos no Paraná. “Além dos cursos propostos até o momento, o SENAR-PR pode contribuir mais nas outras ações importantes aos indígenas, como o interesse pela erva- -mate, a olericultura, a piscicultura, o turismo, a criação de abelhas, o artesanato, a agricultura orgânica e agroecologia, entre outros”, aponta Ribeiro, da Funai.
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