Desde a implementação do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), em 2006, o produtor e presidente do Sindicato Rural de Palmeira, na região Centro-Sul do Paraná, Luciano Turra Agottani, contrata seguro rural, utilizando recursos do programa para as lavouras de milho, feijão, trigo e soja. Porém a realidade será outra na safra 2023/24. Sem previsão de recursos para o PSR, Agottani decretou que não vai fazer a contratação da ferramenta de gestão de risco. “Não vou me sujeitar a pagar esse valor, senão eu quebro”, afirma.
Na nossa região, o risco de veranico é menor. Tem mais [perigo] de granizo, mas ainda assim o pessoal está preferindo assumir o risco a pagar o seguro no valor cheio. Está muito caro.
Luciano Turra Agottani, produtor rural e presidente do Sindicato Rural de Palmeira
Há quase duas décadas, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) disponibiliza recursos para auxiliar produtores rurais do país a contratarem seguro rural com custo reduzido. O PSR incentiva a política de gestão de riscos no setor produtivo, minimizando prejuízos causados por eventos climáticos e garantindo a proteção de mais de 112 milhões de hectares. Porém, apesar dos resultados alcançados com a política de subvenção, o Plano Safra 2023/24, anunciado em 27 de junho, não trouxe previsão de recursos para o PSR. Do R$ 1,06 bilhão que havia sido disponibilizado para 2023, mais de R$ 898 milhões já estavam comprometidos até agosto. O saldo restante, pouco mais de R$ 106 milhões, não será suficiente para atender a demanda dos produtores que começam o plantio da safra de verão em setembro.
O programa é uma importante ferramenta de gestão de riscos que faz parte do planejamento da safra dos produtores do Paraná e do Brasil. Há anos trabalhamos para levar essa conscientização ao campo e, como resultado, somos o Estado que mais faz a contratação. A falta de garantia de subvenção causa preocupação e insegurança no meio rural, além de ir contra o esforço que temos feito, ano após ano, para disseminar a cultura do seguro rural.
Ágide Meneguette, presidente do Sistema FAEP/SENAR-PR
Ao longo das quase duas décadas do PSR, os produtores paranaenses contrataram mais de 580 mil apólices, próximo de 40% do total nacional (1,5 milhão). Sem garantia de orçamento para atender a demanda do restante deste ano e em 2024, a tendência é a redução do interesse pelo seguro rural, na contramão de um mercado que vinha registrando crescimento contínuo. Com a ausência de recurso para subvenção, os agropecuaristas vão pagar de 20% a 40% a mais pelo valor do seguro, a depender da atividade agropecuária segurada e do tipo de cobertura especificado em apólice. Os produtores de grãos devem ser os mais impactados, por ser a modalidade agrícola que concentra a maior parte das operações e dos recursos do PSR.
Essa alta nos preços já está se refletindo nos números. Segundo a Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), as contratações para a safra de verão estão abaixo das expectativas, provavelmente por conta da falta de recursos. Até agosto, no âmbito do PSR, 19,63 mil produtores paranaenses contrataram 33,82 mil apólices, cerca de 34% dos contratos no país (99,78 mil). A área segurada no Estado está em 1,7 milhão de hectares e o valor, em R$ 8,5 bilhões. No ano passado, foram 46,89 mil apólices contratadas por 26,31 mil produtores, que garantiram o seguro de 2,4 milhões de hectares, no valor de R$ 11,21 bilhões.
De acordo com o produtor rural Milton Bernardtt, que planta soja, milho e trigo em Toledo, no Oeste do Paraná, a maioria dos agricultores não pretende contratar seguro rural sob essas condições.
Na nossa região, o seguro já não está tão atrativo. A cobertura está muito baixa e a gente fica desamparado em vários aspectos. Antes eles cobriam 50 sacas por hectare, agora está na faixa das 30 a 35 sacas. Se você já acionou seguro alguma vez, pior ainda.
Milton Bernardtt, produtor rural em Toledo
Procurado pela reportagem da revista Boletim Informativo, o Mapa ratificou que a escolha de não anunciar valores para o PSR no Plano Safra ocorreu para evitar expectativas no setor. “Em diversas ocasiões, os valores anunciados não correspondiam ao orçamento de fato aprovado, o que ocasionava certa frustração aos produtores. Dessa forma, considerando ainda que o orçamento do PSR é classificado como uma despesa discricionária, o que o torna ainda mais suscetível a alterações, optamos este ano por um posicionamento realista”, afirma o Departamento de Gestão de Riscos do órgão, em resposta ao Boletim Informativo.
Entidades do setor produtivo, como a FAEP, reforçam a preocupação de que a falta de recursos desestimule a contratação de seguros, o que pode acarretar prejuízos para a cadeia produtiva e impactar a produtividade agrícola. De acordo com Jefrey Albers, coordenador do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema FAEP/SENAR-PR, com a terceirização dos riscos para as seguradoras, em caso de perdas, os produtores permanecem capitalizados para pagar seus financiamentos e continuar na atividade, garantindo a produção agrícola nas próximas safras.
“Na prática, no caso de uma intercorrência climática, o produtor sem seguro ficará descapitalizado e, na safra seguinte, terá que fazer financiamento. Basta uma quebra de safra para ele não conseguir pagar e precisar prorrogar suas dívidas. Por outro lado, um seguro mais caro e sem subvenção vai reduzir significativamente a margem de lucro dos produtores, colocando em risco até a viabilidade financeira do negócio”, exemplifica Albers.
O setor produtivo depende do crédito das instituições financeiras. É mais caro para o governo pagar o custo da renegociação de dívida com os recursos que são equalizados, do que o montante que o PSR apoia.
Luiz Antonio Digiovani, consultor em seguro rural
Gastos com indenização
A falta de subvenção ocorre em um momento em que o setor produtivo sente o peso do encarecimento dos contratos de seguro, devido à alta sinistralidade registrada nas últimas safras. Em 2022, foram R$ 10,5 bilhões pagos em indenizações, aumento de 47,1% em comparação com o ano anterior, de acordo com a Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg). Apenas no Paraná, líder em indenizações, foram R$ 3,3 bilhões, enquanto a arrecadação foi de R$ 2,3 bilhões.
Além dos gastos com indenizações – o que resulta em prêmios mais caros nos anos seguintes –, o aumento dos custos de produção e a alta dos preços das commodities também contribuíram para que os valores dos contratos passassem por reajustes. “No cenário geral não houve queda na demanda por contratação de seguro rural. Mas, como os preços das apólices subiram, a subvenção consumida aumentou. O resultado é a necessidade de um orçamento maior para cobrir a mesma área”, explica Digiovani.
Com praticamente o mesmo orçamento, o número de apólices contratadas no Brasil reduziu em mais de 40%. No Paraná, a queda foi praticamente na mesma proporção – de 82,26 mil apólices em 2021 para 46,89 mil em 2022. A participação do programa federal no mercado de seguros é mais um exemplo da redução do acesso dos produtores à subvenção: em 2021, o PSR representou 98% do mercado, contra 65% em 2022.
Outro efeito sentido pelos produtores é que, diante do impacto dos últimos prejuízos, muitas seguradoras passaram a oferecer coberturas menores ou, até mesmo, deixaram de ofertar produtos para a agropecuária em 2023.
Na avaliação do Mapa, a decisão de ordem técnica em não anunciar orçamento para o programa não vai na contramão do incentivo à cultura do seguro rural.
Entendemos que essa decisão demonstra seriedade na condução da política pública, sem promessas, sem criar expectativas que podem não ser atendidas no futuro, como já ocorreu em anos anteriores. Vamos pautar a gestão do PSR de maneira transparente, principalmente, na questão orçamentária.
Esta foi a resposta do Departamento de Gestão de Riscos do Ministério à reportagem
FAEP pede mais recursos ao governo federal
Em fevereiro deste ano, a FAEP solicitou ao Mapa que fossem disponibilizados R$ 2,5 bilhões para o PSR no Plano Safra 2023/24, além de um cronograma de liberação oportuna de recursos, considerando o calendário agrícola. Outra demanda refere-se à transferência do orçamento do programa para o caixa das operações oficiais de crédito gerenciadas pela Secretaria do Tesouro Nacional. Os pleitos foram inclusos no documento “Propostas para o Plano Safra 2023/24”, elaborado em parceria com a Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores Familiares do Estado do Paraná (Fetaep), Organização das Cooperativas do Estado do Paraná (Ocepar), Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-Paraná) e Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento do Paraná (Seab).
No dia 18 de abril, o Mapa publicou resolução que aprovou a distribuição do orçamento de R$ 1,06 bilhão para o exercício de 2023 – metade do montante que havia sido previsto no anúncio do Plano Safra 2022/23. No anúncio de liberação, o Ministério já informou que o valor seria suficiente para atender apenas metade da demanda de produtores e, por isso, solicitaria a suplementação do orçamento. No fim de junho, a Junta de Execução Orçamentária (JEO) negou os pedidos, no valor de R$ 1,2 bilhão.
No dia 13 de julho, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) encaminhou um ofício aos ministérios da Fazenda, Agricultura e Planejamento solicitando a liberação de R$ 1 bilhão para 2023 e aprovação de R$ 3 bilhões no orçamento anual de 2024. No dia 17 de agosto, em uma agenda do Ministério da Agricultura, o ministro Carlos Fávaro disse que a pasta está trabalhando junto com a equipe econômica para aumentar o valor alocado para o PSR. Até o momento, no entanto, ainda não há garantia de que os recursos pleiteados serão disponibilizados.
Segundo Jônatas Pulquério, diretor do Departamento de Gestão de Riscos da Secretaria de Política Agrícola (SPA), as solicitações estão em andamento, mas não há definição sobre eventual suplementação orçamentária para o PSR em 2023. Em relação aos recursos para o próximo ano, é preciso aguardar as definições internas do governo, que no dia 31 de agosto enviou o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2024 ao Congresso Nacional. Até o fechamento desta reportagem, não foram divulgados detalhes do documento.
Riscos climáticos não devem ser subestimados
Ainda que o mercado de seguro rural não pareça tão atrativo, a recomendação é que o produtor não deixe suas lavouras sem proteção. Os chamados eventos extremos estão cada vez mais comuns em decorrência das mudanças climáticas. Nas últimas safras, o Brasil, principalmente a região Sul, sofreu os impactos do fenômeno climático La Niña, que causou seca prolongada e temperaturas extremas no Paraná.
Apenas nos últimos cinco anos, as seguradoras pagaram aos produtores rurais, aproximadamente, R$ 20 bilhões em indenizações decorrentes de eventos climáticos. Sem o seguro, esse prejuízo seria absorvido pelos produtores, muitas vezes por meio de refinanciamentos que reduzem sua capacidade de crédito para as safras seguintes.
Para a safra 2023/24, o El Niño é esperado por quase a totalidade dos meteorologistas. No Brasil, a expectativa é de mais chuvas para a região Sul e seca para o Norte, o que pode contribuir para a redução de interesse pelo seguro rural no Paraná. Ainda assim, especialistas alertam para os riscos de excesso de chuvas em momentos cruciais do calendário agrícola, como o plantio.
A contratação do seguro é indispensável. As questões climáticas estão cada vez mais preocupantes, com registro de sinistros e indenizações todos os anos. Ficar desprotegido é um risco imenso, com probabilidade de prejuízos muito maiores do que o custo adicional do seguro, podendo levar até a saída da atividade. É um conjunto de riscos que podem impactar todo o setor.
Luiz Antonio Digiovani, consultor em seguro rural
Novas turmas do curso de seguro rural da FAEP
O Sistema FAEP/SENAR-PR abriu três novas turmas do curso “Seguro agrícola para grãos”. A iniciativa detalha a importância da ferramenta para a gestão de riscos no campo, capacitando a classe produtora sobre a utilização de acordo com as modalidades ofertadas. As três novas turmas, com 50 vagas cada uma, serão realizadas nos meses outubro e novembro. Desde sua criação em 2020, o treinamento já teve 44 turmas, envolvendo 1.885 participantes.
As aulas ocorrem de forma remota e simultânea. A carga-horária é de seis horas, ao longo de três dias seguidos. As turmas serão fechadas por ordem de inscrição e os participantes serão contatados por e-mail e/ou telefone informados no cadastro.
A formação é destinada a todos os envolvidos na cadeia de seguros, como produtores, sindicatos rurais, profissionais de assistência técnica e instituições financeiras, desde que sejam atuantes no Paraná.
Entre os conteúdos abordados, estão o funcionamento dos programas de subvenção ao prêmio do seguro rural (federal e estadual), Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc), tipos de cobertura, pontos de atenção na hora de contratar o seguro e de informar o sinistro, e outros temas relevantes envolvendo as ferramentas disponíveis para a gestão de riscos.
Curso “Seguro agrícola para grãos”
Turmas:
- 3 a 5 de outubro
- 24 a 26 de outubro
- 7 a 9 de outubro
Inscrições:
Setor produtivo aponta necessidade de melhorias no seguro rural
Apesar de ser considerado um programa exitoso, especialistas apontam a necessidade de melhorias no PSR, visando, principalmente, atender à demanda crescente de produtores em meio à realidade das mudanças climáticas que acometem o campo. Ainda que o montante tenha aumentado nos últimos anos, não é de hoje que o setor produtivo e o mercado de seguros encontram dificuldades na liberação do subsídio federal.
“A contratação do seguro por parte do produtor e a disponibilização da subvenção por parte do governo federal acontecem em momentos diferentes e isso é prejudicial. Neste
ano, por exemplo, os valores foram disponibilizados de forma tardia para atender à demanda dos grãos de inverno e, já no primeiro semestre, os agricultores tiveram dificuldades para acessar o recurso”, aponta o presidente da Comissão de Seguro Rural da FenSeg, Joaquim César Neto.
Uma das mudanças pleiteadas, inclusive pela FAEP, é a calendarização da disponibilização de recursos de acordo com as atividades e culturas agrícolas. Dessa forma, o produtor rural teria garantia de acesso à subvenção no momento de planejamento do plantio.
Outra demanda das entidades é a alocação da verba do PSR para o caixa das operações oficiais de crédito, a chamada 2OC, o que tornaria sua aplicação obrigatória e evitaria contingenciamentos. Além disso, o mercado teria mais previsibilidade da aplicação dos recursos, o que possibilitaria o aumento da oferta de apólices em mais regiões e mais produtos disponíveis e, consequentemente, maior nível de proteção com menor custo.
Para o Departamento de Gestão de Riscos do Mapa, a expansão do seguro para todas as regiões do país é o principal desafio no momento. Dados da Superintendência Nacional de Seguros Privados (Susep) mostram que, no ano passado, Paraná e Rio Grande do Sul responderam por 45,9% do total do valor do seguro agrícola contratado no país. Com mais Estados aderindo ao seguro, os riscos das carteiras das seguradoras seriam pulverizados, resultando na diluição dos custos das indenizações e na redução do valor do prêmio.
“Nossa preocupação no curto prazo é com a sustentabilidade desse setor. Para que essa expansão ocorra, precisamos avançar em diversos aspectos, tais como: produtos mais aderentes aos riscos da Região Centro-Oeste, ampliação da oferta de serviços de corretor e perito nas Regiões Norte e Nordeste, e maior divulgação sobre como funciona o seguro rural e o próprio PSR”, elencou a subdivisão do Mapa.
Recentemente, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, também manifestou a necessidade de buscar soluções para os problemas do atual modelo de seguro rural adotado no Brasil, que não seria sustentável. Segundo Fávaro, o modelo utilizado no México está sendo estudado pelo governo federal para ser adaptado à realidade brasileira para o Plano Safra 2024/25.
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