Nas últimas cinco safras, a área de soja destinada ao plantio de variedades transgênicas no país aumentou quase 73%, segundo levantamento da consultoria Céleres, saindo de 13,9 milhões de hectares, equivalente a menos de 65% do espaço total ocupado pelo grão no ciclo 2008/09, para 24 milhões de hectares, passando a representar 88,6% da área cultivada na safra 2012/13. O plantio total acumulou variação de 26% no período. Mais de 15 empresas, entre companhias públicas e organizações privadas, disputam esse mercado, que tende a continuar avançando pelo menos até o início da próxima década, embora numa velocidade mais contida.
Nas projeções de Jorge Eduardo Attie Hubaide, analista da Céleres, na safra 2021/22 praticamente 95% dos 33,4 milhões de hectares a serem ocupados pela oleaginosa deverão ser reservados para cultivares alterados geneticamente em laboratório, aproximando-se de 31,7 milhões de hectares – cerca de 32% mais do que no ciclo atual.
No mundo todo, a indústria de sementes movimenta em torno de US$ 45 bilhões, segundo estimativa da International Seed Federation (ISF) e o Brasil exibe uma participação de 5,8%, o que o torna o quarto maior mercado, correspondendo a um faturamento próximo a US$ 2,625 bilhões conforme dados de 2011 da ISF, perdendo para Estados Unidos, China e França. Os dois primeiros dominam praticamente 47% desse mercado, com fatia de 26,7% para o primeiro e de 20,1% para os chineses.
Os 16 maiores grupos multinacionais, ainda segundo a ISF, concentraram, naquele ano, perto de 58% de toda a movimentação financeira do setor, num valor aproximado de US$ 26,1 bilhões, representando um avanço de quase 60% em relação a 2007. Tomando-se exclusivamente as receitas geradas no negócio de sementes, a Monsanto surge na liderança com faturamento de US$ 8,582 bilhões, seguida pela DuPont/Pioneer, que faturou US$ 6,300 bilhões em 2011.
Na comparação com 2007, as receitas das duas companhias aumentaram, pela ordem, 72,9% e 88,1%. A suíça Syngenta faturou US$ 3,185 bilhões e ocupou a terceira colocação, acumulando um incremento de 57,8% na mesma comparação. As três líderes dominavam, portanto, pouco mais de 40% do mercado global.
Num cruzamento entre os dados da Associação Brasileira de Sementes e Mudas e aqueles levantados pela Céleres, a demanda por sementes de soja transgênica no Brasil teria mais do que triplicado entre as safras 2005/06 e 2011/12, saltando de algo em torno de 270 mil para mais de 860 mil toneladas, estimando-se o uso médio de 50 quilos de semente por hectare e uma participação das variedades transgênicas evoluindo de 40,4% para 85,7%. Para 2013, a expectativa é de um aumento em torno de 12% no uso de cultivares geneticamente modificados.
Os investimentos em transgenia, especificamente na área da soja, são crescentes, conforme avaliam Francisco Aragão, pesquisador responsável pelo laboratório de engenharia genética da Embrapa Recursos Genéticos, e Claudiomir Abatti, líder do programa de melhoramento de soja da Monsanto. Aragão estima que o desenvolvimento de uma nova cultivar de soja exija investimentos entre US$ 40 milhões e US$ 100 milhões. "Os custos maiores estão no desenvolvimento da tecnologia, nos ensaios de biossegurança e em todo o processo regulatório global", destaca.
"Para se chegar a uma variedade nova são necessários nove a 12 anos de pesquisas. Apenas a etapa de melhoramento genético clássico de sementes geneticamente modificadas significa investimentos superiores a US$ 1 milhão em equipamentos de pesquisa e mão de obra qualificada", acrescenta Abatti. Mas a pesquisa de um evento biotecnológico e a identificação do gene específico, que vai assegurar à planta as características desejadas, os recursos somam cifras muito mais expressivas, afirma o pesquisador. Globalmente, apenas a Monsanto destaca aproximadamente US$ 1,4 bilhão por ano para investimentos em suas atividades de pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias e produtos para o campo.
Nos últimos 10 anos, subsidiária da companhia no Brasil recebeu investimentos superiores a US$ 1 bilhão, destinados aos setores de biotecnologia e sementes, defensivos agrícolas e ao desenvolvimento de novas tecnologias em suas 29 unidades de pesquisa, processamento de sementes e produção de herbicidas espalhadas por 12 Estados.
Conforme Abatti, é necessário manter uma variedade no mercado por um período de cinco a oito anos para assegurar o retorno dos recursos investidos pela empresa, que no ano passado realizou um faturamento de R$ 3,4 bilhões em sua operação brasileira e ocupa uma fatia de 20% no mercado de sementes de soja, incluindo variedades convencionais e transgênicas. "A perspectiva é de avanço contínuo desse mercado, diante da crescente demanda mundial por alimentos, mas a taxas menos acentuadas do que na safra passada", espera Abatti.
A soja Roundup Ready (RR), tolerante a herbicidas à base de glifosato, foi a primeira cultivar transgênica a desembarcar no mercado, em 2005. "Cerca de 80% dos cultivares usados no cultivo da soja a cada safra já embutem a tecnologia RR", observa Abatti. Aprovada em 2010 pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNTBio), a soja Intacta RR2 PRO, que inclui além da tolerância ao glifosato também a resistência a lagartas da soja, falsa medideira, broca das axilas, das maçãs e as do gênero Helicoverpa, aguarda a manifestação final do governo chinês para chegar ao mercado.
A cultivar, já referendada por órgãos reguladores de mais de 40 países, passou por uma fase de testes em fazendas de 350 municípios de 14 Estados brasileiros no ciclo 2012/13. "O melhoramento clássico permite um ganho anual de produtividade equivalente a meia saca de soja por hectare. Com a Intacta, atingimos um ganho extra de cinco a seis sacas por hectare", afirma Abatti.
Numa visão mais crítica em relação aos transgênicos, o agrônomo Gabriel Bianconi Fernandes, assessor técnico da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, contesta o processo que permitiu a entrada dos transgênicos no país. Numa primeira fase, relembra ele, uma série de medidas provisórias buscou regularizar o uso de sementes de soja geneticamente modificadas contrabandeadas da Argentina. Em 2005, a Lei 11.105 regularizou o uso de organismos transgênicos no país. "Observe-se que a decisão partiu do Congresso Nacional e não de um órgão técnico, evidenciando a ausência de estudos prévios de impactos à saúde e ao meio ambiente", afirma.
O avanço das variedades geneticamente modificadas deu-se ainda como resultado, entre outros fatores, do recuo de empresas como a Embrapa, que "tem dado preferência a convênios com grandes empresas", aponta Gabriel Fernandes.
Valor Online
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