O mercado internacional de carnes possui uma dinâmica complexa, que depende de uma série de fatores, como a saúde econômica dos países compradores. Como se trata de uma cadeia ajustada, o efeito de um mercado que se fecha em outro continente tem reflexos imediatos na outra ponta, no caso, nos produtores rurais responsáveis pela matéria-prima processada e exportada.
Nesse sentido, 2018 foi um ano que o setor brasileiro de proteína animal, em especial da avicultura, registrou desafios. Além da “Operação Carne Fraca”, da Polícia Federal, que manchou a reputação dos produtos no mercado externo, em abril do mesmo ano, a União Europeia desabilitou 20 plantas industriais para o fornecimento de aves em todo país, sendo oito no Paraná. Ainda, no meio daquele ano, a BRF suspendeu a produção de perus na unidade de Francisco Beltrão, na região Sudoeste, afetando centenas de produtores da região. Na época foram feitos ajustes, negociações, alguns avicultores saíram do negócio, outros migraram para a produção de frangos – muitos com a ajuda do Sistema FAEP/SENAR-PR.
Agora, o movimento tem sentido inverso, de expansão. Em março deste ano foi concedida habilitação para que a planta de abate de perus da BRF em Francisco Beltrão exporte seus produtos para o México. A notícia veio acompanhada do anúncio de um investimento de R$ 292 milhões, por parte da empresa, para modernizar suas unidades no Paraná. A boa nova tem animado os avicultores da região.
“Quem segurou o aviário nesses três anos [desde a paralisação em 2018] está animado. Quem não desmanchou o barracão vai voltar para o peru. Claro que tem reformas, exigências novas, mas a parte de construção civil aproveita tudo”, avalia o avicultor e presidente da Associação de Avicultores Integrados do Sudoeste do Paraná (Avisud), Claudiney Colognese.
O avicultor também preside a Comissão para Acompanhamento, Desenvolvimento e Conciliação da Integração (Cadec) junto à unidade da BRF em Francisco Beltrão. Espaço paritário de negociação entre agroindústrias integradoras e produtores integrados, prevista na Lei 13.288/2016, a Cadec teve papel fundamental na época da interrupção do abate de perus no município. “Em 2018, houve bastante estresse. Tentamos negociar tudo que podíamos, houve gente que quis entrar na justiça individualmente. Mas agora melhorou”, avalia Colognese.
Segundo o presidente da Avisud, a expectativa é que o alojamento de perus tenha início no final do segundo semestre deste ano. A empresa estima produzir 7,5 mil perus por dia a partir do segundo trimestre de 2022. Para essa empreitada serão necessários 170 aviários, a grande maioria formada por estruturas que já se destinavam à essa atividade.
Injeção na economia
Para o secretário de Agricultura de Francisco Beltrão, Claudimar Isidoro de Carli, a retomada da produção de perus será um reforço para a economia da região. “Para o município, no que se refere à arrecadação, ao desenvolvimento da economia e do emprego, é uma coisa divina o que está acontecendo”, afirma. Segundo ele, para apoiar esse processo, a prefeitura tem dado suporte à logística por meio da manutenção e adequação das estradas.
De acordo com a BRF, serão gerados 400 empregos diretos com a operação de perus. Mas na visão do secretário do município, os benefícios vão além. “Você tem os outros elos da cadeia, como logística de alojamento, ração, além da empregabilidade no abatedouro. Isso gera renda dentro e fora das propriedades”, avalia Carli. “Na época [da interrupção] foram 517 avicultores que deixaram de faturar. Um aviário de peru dava em torno de R$ 70 mil de faturamento bruto. Isso era dinheiro que circulava na economia local e parou”, recorda.
A avicultura é a principal atividade econômica de Francisco Beltrão. “No nosso valor bruto de produção, primeiro vem frango de corte, pintainhos, peru, leite, só então as commodities soja e milho”, elenca o secretário.
O dirigente da Cadec de Francisco Beltrão compartilha das mesmas perspectivas positivas quanto a retomada da produção de peru no Sudoeste. “A proposta da empresa é voltar a dar o lote integral para o avicultor e uma atratividade de R$ 4,50 a R$ 6,50 por cabeça de peru, como uma ajuda para pagar a dívida com a reforma do aviário. Tudo acordado na Cadec”, afirma Colognese, que já vem observando um entusiasmo no município. “O pessoal está se movimentando, os produtores fazendo orçamentos, mandando para o banco para pegar o início do Plano Safra. A intenção é em outubro já alojar”, comemora.
Contrato justo
A transformação nos barracões para mudar do alojamento de frango para perus (e vice-versa) não é tão simples quanto se possa imaginar. Afinal, cada atividade possui parâmetros de bem- -estar animal, sanidade, manejo e até mesmo indicadores zootécnicos completamente diferentes. As adaptações necessárias incluem sistema de aquecimento, alimentação, bebedouros, além do próprio manejo, que difere um pouco do frango de corte.
“A avicultura é uma atividade em constante evolução tecnológica e a adaptação das instalações para perus ou de peru para corte [como aconteceu em 2018 quando encerraram os abates] é possível, mas dependendo das condições das estruturas. No entanto essa variação de demanda nos mercados interno e externo são uma realidade. Então adaptar para continuar produzindo é uma opção. O produtor precisa avaliar os riscos e viabilidade dos investimentos necessários, nunca deixando de dialogar e formalizar com a empresa os eventuais acordos”, orienta Mariana Assolari, técnica do Departamento Técnico (Detec) do Sistema FAEP/SENAR-PR, que acompanha os trabalhos da Comissão Técnica (CT) de Avicultura.
Produtor nos Campos Gerais e vice- -presidente da CT de Avicultura da FAEP, Carlos Bonfim, lembra que quando foi interrompida a produção de perus da BRF em Carambeí, há cerca de uma década, a empresa arcou com os custos dos equipamentos. “Aqui foi uma das primeiras unidades do Brasil que parou a produção de peru. O pessoal migrou para o frango. Na época a empresa forneceu equipamento em comodato para os produtores fazerem essa transição [do peru para o frango]”, afirma.
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