Se alguém esperava que o novo relatório do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) sobre oferta e demanda de grãos no país e no mundo nesta safra 2010/11 fosse oferecer elementos capazes de conter a atual curva ascendente dos preços globais dos alimentos, o efeito foi justamente o contrário.
Com cortes expressivos na produção e nos estoques finais de milho nos EUA e no mundo e ajustes igualmente radicais e surpreendentes na oferta de soja, o departamento, ou ministério, jogou gasolina na fogueira. As cotações internacionais de ambos os grãos, os mais produzidos no Brasil, subiram ao maior patamar em 30 meses e as preocupações com uma agroinflação galopante só fizeram aumentar. Há meses o risco está no radar da FAO (braço da ONU para agricultura e alimentação) e já motiva protestos em diversos países.
Conforme informou recentemente o Valor, o índice da FAO para os preços globais dos alimentos, baseado em uma cesta formada por açúcar, carnes, trigo, arroz, milho, óleos e lácteos, encerrou dezembro em níveis recordes, confirmando a elevação das importações mundiais de alimentos para mais de US$ 1 trilhão, patamar alcançado apenas em 2008. Naquele ano, outra explosão de preços derivada de fundamentos "altistas" e especulação levou commodities como milho e soja a máximas históricas ainda não superadas e também gerou manifestações ao redor do mundo e justificou a retomada de medidas protecionistas no comércio. Como acontece agora.
Para muitos especialistas, o que ocorreu em 2008 no mercado de grãos foi o início de uma nova era. Médias de preços de 30 anos, para as quais as cotações sempre voltavam após fortes altas ou baixas, foram simplesmente implodidas. Em tempos de turbulências nos principais mercados financeiros do planeta, os alimentos voltaram a ganhar importância como ativo e grandes fundos de investimentos que até 2008 passavam ao largo das commodities agrícolas, não as deixaram mais.
Em parte, a continuidade dessa forte aposta financeira nos mercados de matérias-primas para alimentos evitou uma queda brusca dos preços mesmo após o aprofundamento da crise global a partir da quebra do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008. Mas o fato é que o consumo mundial de grãos segue firme, puxado pelo crescimento dos países emergentes, e problemas na oferta em exportadores importantes desde meados de 2010 tornou o quadro de abastecimento bem mais apertado do que se esperava. Some-se a isso a demanda de grãos para a produção de biocombustíveis, o resultado é euforia para quem tem alimentos para vender e pânico para quem é obrigado a comprar.
Ontem, na bolsa de Chicago, os dados do levantamento do USDA que deflagraram a corrida dos investidores às compras foram referentes aos estoques americanos. Em relação às estimativas que divulgou em dezembro, o órgão cortou em 10,5% os estoques finais de milho do país nesta safra 2010/11 – cuja colheita está em fase final no Hemisfério Norte e o plantio está em andamento no Hemisfério Sul – e em 14,9% os estoques finais de soja. As correções refletiram quedas nas previsões para a produção de ambos nos EUA. Os cálculos para a demanda pelos produtos do país não sofreram grandes alterações. As mudanças levaram a cortes também nos estoques finais globais desses grãos, que tendem a ser bem inferiores aos registrados em 2009/10 (ver tabela)
A amplitude das revisões promovidas, nem de longe normais, fizeram os contratos futuros de segunda posição de entrega (normalmente os de maior liquidez) da soja subirem 4,27% em Chicago, ampliando os ganhos acumulados nos últimos 12 meses para 44,68%, conforme cálculos do Valor Data. No caso do milho, a segunda posição subiu 3,98% e a alta em 12 meses subiu para 58,75%. Para o trigo as correções foram menos profundas, mas as cotações também subiram, em boa medida graças à influência de soja e milho. Para completar o quadro, o USDA confirmou para os três grãos (soja, milho e trigo) preços médios em 2010/11 superiores aos de 2009/10.
Aos exportadores da Argentina, que sofrem com o fenômeno La Niña e têm os embarques limitados pelo governo federal, restou a promessa de suspender as vendas de soja, milho e trigo a partir do dia 17. O problema no país, por sinal, tem sido vital para a manutenção dos preços internacionais nos atuais patamares, atingidos a partir de julho após adversidades climáticas na Rússia e arredores e mesmo nos EUA, onde as produtividades das lavouras foram prejudicadas. É de se esperar que, nas alturas, os preços estimulem um aumento da produção no Hemisfério Norte na temporada 2011/12, o que poderá brecar a curva ascendente no segundo semestre. Até lá, ondas de protestos em países como Líbia, Jordânia, Marrocos e Egito, destacados pelo jornal "Financial Times", poderão crescer.
Fonte: Valor Econômico – Fernando Lopes – 13/01/2011
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