Fellype Hendrick Loman estava desempregado em outubro de 2018, quando se inscreveu no curso “Manejo Integrado de Pragas (MIP) Soja”, do SENAR-PR, em Arapoti, no Norte do Paraná. Ainda durante as aulas, foi contratado para trabalhar em uma fazenda onde as práticas eram aplicadas. O sucesso foi tão grande que, em poucos meses, o jovem de 19 anos passou de desempregado a empresário: tornou-se sócio de uma empresa que presta serviços de consultoria e de aplicação das técnicas do MIP e de agricultura de precisão em fazendas da região.
Formado em curso técnico agrícola – ou seja, com segundo grau completo –, Loman faz parte de um grupo cada vez maior: o de pessoas que concluíram o ensino de nível médio e que saíram da incômoda fila de desempregados graças ao campo. Só de janeiro a agosto deste ano, foram abertas 12,9 mil vagas com carteira assinada no Paraná, ocupadas por trabalhadores com este grau de escolaridade. O volume corresponde a 40% do total de postos de trabalho gerados no setor agropecuário.
O bom desempenho da geração de empregos neste nível de ensino vai além. Até agosto deste ano, o saldo de vagas (diferença entre os postos de trabalho abertos e os que foram fechados) foi de 1,2 mil vagas, o que representa quase o dobro em relação a todo o ano passado. Enquanto os trabalhadores com ensino fundamental têm ocupado cada vez menos espaço no campo, o número de vagas preenchidas por quem tem segundo grau completo vem batendo recordes contínuos, tanto em vagas geradas, quanto em saldo de empregos.
“As contratações de quem possui até o quinto ano do fundamental caiu 74%, por outro lado, houve aumento de 103% nas admissões das pessoas com ensino médio completo e de 26% com nível superior. Portanto, apesar de menos pessoas estarem sendo empregadas na agropecuária, os novos postos têm exigido maior qualificação”, diz o técnico Luiz Eliezer Ferreira, do Departamento Técnico Econômico (DTE) da FAEP. “Fica denotado que a agropecuária constitui um celeiro de oportunidades, mas a qualificação é fundamental para acessar estes postos de trabalho”, acrescenta.
Ao aproximarmos uma lupa deste cenário constatamos que só ensino fundamental não garante emprego no campo. Os novos empregados, em regra, têm um perfil proativo no que diz respeito à qualificação, buscando atualização constante – como os mais de 300 cursos oferecidos pelo SENAR-PR. Todo esse investimento em capacitação contribuiu de forma decisiva para a mudança do perfil do trabalhador no campo.
“O agronegócio é um dos setores que mais evoluiu, ao longo dos últimos anos, acompanhando a evolução tecnológica. Hoje, conceitos como agricultura 4.0, agricultura de precisão e o uso de tecnologias, do melhoramento genético aos drones, são realidade nas propriedades rurais do nosso Estado. O trabalhador do campo não ficou para trás e vem se preparando”, observa o presidente do Sistema FAEP/SENAR-PR, Ágide Meneguette.
Mudança de cenário
O Censo Agropecuário, recém divulgado, comprova a redução da mão de obra no campo. Enquanto em 2006 eram 1,11 milhão de pessoas ocupadas em estabelecimentos agropecuários, esse número caiu para 846,6 mil em 2017. Por outro lado, o número de produtores, por exemplo, com formação superior aumentou 43% no mesmo período. Ainda, a quantidade de pecuaristas e agricultores à frente do negócio que nunca frequentaram a escola reduziu 23%.
“A gente percebe que, de maneira geral, houve uma mudança de perfil. Há maior escolarização e um maior interesse entre jovens, principalmente em função das inovações tecnológicas e de todo movimento de inteligência artificial aplicados ao campo. Temos percebido um perfil que busca constantemente qualificação para permanecer na atividade rural”, analisa o gerente do Departamento Técnico (Detec) do Sistema FAEP/SENAR-PR, Arthur Piazza Bergamini.
Nesse novo cenário, o SENAR-PR vem representando um motor na capacitação e qualificação dos produtores e trabalhadores. Por mês, mais de 600 cursos são realizados em praticamente todos os municípios do Paraná, envolvendo mais de 7,5 mil pessoas, nas mais diversas áreas da cadeia do agronegócio.
“A participação do SENAR-PR tem sido muito importante no sentido de requalificar essa mão-de-obra do campo. A entidade está sempre acompanhando as inovações do setor. Temos sempre o olhar de ir ao mercado buscar quais são as demandas em relação a novas capacitações. Estamos acompanhando todas essas transformações no campo, tanto em mudança de perfil, quanto em novas tecnologias, para, na medida do possível, contemplar essa realidade em nosso catálogo de cursos”, acrescenta.
Mercado em potencial
Apesar de o país somar mais de 12 milhões de desempregados, faltam trabalhadores no campo. Mas o perfil buscado pelos empregadores não é de um funcionário qualquer, mas com especialização específica. Explica-se: com a modernização das propriedades rurais – com o uso maior de implementos cada vez mais sofisticados e com a era da agricultura 4.0 –, os produtores rurais precisam de mão-de-obra atualizada, capacitada a trabalhar dentro desses novos conceitos e tendências.
É o caso do avicultor Carlos Bonfim. O produtor mantém oito aviários na região dos Campos Gerais, que empregam 11 funcionários. Outras duas vagas estão abertas, mas ele tem tido dificuldade em encontrar trabalhadores que se enquadrem nos pré-requisitos para trabalhar na granja. A escassez de mão-de-obra, segundo Bonfim, está diretamente relacionada à falta de qualificação. Ainda, Bonfim, que também é presidente da Comissão Técnica de Avicultura da FAEP, tem-se observado isso de forma generalizada.
“Dez anos atrás, o funcionário mal precisava saber escrever o nome. Hoje, o perfil é outro. A gente precisa de qualificação. Os painéis são computadores. O trabalhador precisa, no mínimo, entender da parte elétrica, saber preencher as fichas, fazer cálculos de ração”, exemplifica Bonfim. “Todo mundo se bate atrás desses funcionários. Vira uma disputa. Quem é bom, acaba ganhando bem, porque o patrão não quer abrir mão”, acrescenta.
E olhe que, na maioria dos casos, há vantagens que os trabalhadores não encontrariam em um emprego no meio urbano. Bonfim, por exemplo, oferece residência a todos seus funcionários, ou seja, eles não precisam gastar com aluguel. E mais: “Não cobro luz. É só o cara morar”, diz.
Outro avicultor, Faissal Fadel Filho, também dos Campos Gerais, confirma a dificuldade de se conseguir trabalhadores qualificados. Por isso, quando encontra o perfil ideal, o produtor não deixa o empregado ir embora. O gerente dos aviários de Fadel Filho já trabalha há 16 anos na propriedade, ganhando um salário bem acima da média. O filho e a mulher do gerente também são empregados da granja há tempos – respectivamente há seis e dez anos.
“Temos painéis digitais, sistemas de ambiência. Não é qualquer um que mexe. O funcionário tem que estar preparado. Por ciclo, são 270 mil frangos. E se o funcionário comete um erro e mata o lote? Tem que ter qualificação”, diz.
Idas e voltas
Há também os casos de pessoas que optam, inicialmente, por empregos na cidade, mas acabam voltando para o campo. Carlos Bonfim viu um exemplo disso na prática. Um de seus funcionários pediu demissão para se aventurar na cidade, onde conseguiu um emprego como frentista de um posto de combustíveis. Após um curto período, o trabalhador pediu para voltar a trabalhar no aviário. “Isso acontece muito. O cara vai para a cidade, entra em dívida e volta a procurar trabalho no campo”, diz o avicultor. “Só em aluguel, a pessoa gastava uns R$ 600, fora luz e água. Comigo, ele ganhava R$ 1,6 mil e não pagava nada para morar. É muito mais vantajoso. Ele pediu para voltar”, aponta.
“Isso acontece muito. O cara vai para a cidade, entra em dívida e volta a procurar trabalho no campo”, diz o avicultor. “Só em aluguel, a pessoa gastava uns R$ 600, fora luz e água. Comigo, ele ganhava R$ 1,6 mil e não pagava nada para morar. É muito mais vantajoso. Ele pediu para voltar”, aponta.
Automatização
A demanda por mão-de-obra qualificada, é claro, não se restringe à avicultura, mas abrange praticamente todas as cadeias produtivas. Na bovinocultura de leite, o pecuarista Rafael Carlin, de Chopinzinho, Sudoeste do Paraná, também aponta que a automatização mudou as competências dos trabalhadores rurais. Para ele, é um mito que a tecnologia “tire emprego” das pessoas, pelo contrário, traz mais conforto a funcionários e aos animais.
“Hoje, temos tratores automáticos, ordenhadeiras mecânicas, drones, e muito mais. São equipamentos que mudam os processos de trabalho e a organização das tarefas. Tudo isso demanda mais formação”, diz. “A facilidade com aplicativos e dispositivos digitais é, hoje, uma competência buscada pelos empregadores. A tendência é essa busca pela conectividade”, avalia.
Diretor-conselheiro da Frísia Cooperativa Agroindustrial, Jean Ubel van der Vinne, também tem percepção parecida no que diz respeito à mudança de competências dos trabalhadores do campo. No caso da propriedade dele, em que mantém 500 cabeças da raça holandesa, os empregados novos tendem a aprender a operar os equipamentos com os funcionários mais antigos. Mas, a capacitação vai bem adiante. “Eu tenho funcionário que entrou como boia-fria e que hoje faz faculdade. Mudou muito o perfil dos funcionários. Isso é geral”, aponta.
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