Quando a agricultura orgânica ainda era uma atividade para poucos produtores, o Paraná já se preparava para entender o futuro desses plantios, que têm por princípio a preservação do solo e o não uso de defensivos químicos. O estado, onde predominam pequenas propriedades, como em toda a Região Sul, encontrou nesse sistema de cultivo um caminho para que os agricultores aumentassem a renda, ao atender a uma clientela disposta a pagar um preço superior para consumir produtos diferenciados. Institutos de pesquisa e universidades se aliaram para aprimorar as tecnologias aplicadas nessas lavouras, como a baixa frequencia de aração do solo e o controle biológico para a prevenção de pragas.
Duas décadas mais tarde, o estado se orgulha por ter tido a visão pioneira de abraçar o sistema, inaugurar uma certificadora própria (a Tecpar) e colocar alimentos produzidos sem agrotóxicos na merenda de 30% das escolas públicas. O Paraná acolhe ainda a maior diversificação na produção orgânica do país, somando 49 atividades, incluindo as áreas de frutas, legumes e verduras (FLV), plantios de erva-mate e produtos industrializados. Difícil é quantificar essa evolução. O mercado de orgânicos, antes diminuto, se agigantou em todo o país, mas as estatísticas oficiais não acompanharam essa progressão. Acredita-se que o setor movimente nacionalmente cerca de US$ 250 milhões por ano, embora não se saiba qual é o quinhão paranaense. A carência de dados é justificada pela demora na regulamentação da lei 10.831, que entrou em vigor apenas em janeiro passado. Por meio dela, as certificadoras terão de fornecer números sobre a produção de seus clientes para que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) possa fazer uma radiografia fiel da atividade.
Seja como for, a relevância do Paraná nesse cenário é inquestionável. Não por acaso, foi lá também que se instalou há seis anos o Projeto Organics Brasil, uma ação conjunta da iniciativa privada com a Agência Brasileira de Promoção de Desenvolvimento (Apex) e o Instituto de Promoção de Desenvolvimento (IPD), que tem por finalidade promover os produtos ecológicos nacionais fora do país. As 72 empresas associadas exportaram US$ 108,2 milhões para mais de 25 países em 2010. "A previsão é crescer 20% neste ano", afirma o coordenador executivo da Organics, Ming Liu. Segundo ele, a vantagem do Paraná está na visão estratégica de negócios que o estado assumiu ao longo dos anos.
Marco Giotto é testemunha de tal mudança. Os orgânicos deixaram de ser apenas cultivo de pequenos para se transformar num negócio vigoroso. A Rio de Una, empresa da qual é sócio, nasceu há 14 anos e hoje produz 300 toneladas mensais de FLV higienizados, embalados e prontos para consumo. "Foi planejada para ser diferente do que já existe no mercado", comenta. Ele trabalha em parceria com 260 produtores, sediados não apenas no Paraná, mas também em Santa Catarina e São Paulo. Agora, prepara-se para se associar a agricultores do Sertão da Paraíba que mantêm cultivos irrigados de batata, pimentão, beringela, tomate e cenoura. "É para dar conta da sazonalidade dos produtos", explica. Todos os associados recebem a assistência de uma equipe formada por seis agrônomos.
A agricultura orgânica não estava nos planos de Giotto. Nascido em Palmas (PR), foi acostumado às criações de gado na fazenda da família. Escolheu a engenharia química como profissão e foi trabalhar em uma das maiores fábricas de gases industriais e medicinais da América Latina. Por ironia, tornou-se responsável por um programa que o levou de volta ao campo. A indústria investia em gases injetados para dar maior durabilidade a produtos higienizados e embalados. Quando passou a dar assistência a um agricultor interessado no projeto, decidiu que também faria disso seu negócio. Na época, Marco Giotto tinha a transferência acertada para Chicago, nos Estados Unidos, mas não estava disposto a aceitar o convite. "Seria meu auge profissional, mas não havia interesse em mudar de país", relembra. Com apoio da própria indústria em que trabalhava, ele se tornou sócio do produtor que era seu cliente e inaugurou a Rio de Una. O nome da empresa é uma referência ao curso d’água que cortava a modesta propriedade de sete hectares em São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, onde tudo começou. O projeto já nasceu oferecendo hortaliças orgânicas prontas para consumo. No entanto, a empresa precisaria de muito capital para bancar seu modelo original. Foi aí que entrou a importante sociedade da Axialpar, fundo de investimentos do antigo Banco Axial voltado a projetos sustentáveis. A partir daí, a Rio de Una passou a comportar instalações de 3,5 mil metros quadrados, 130 empregados e faturamento de R$ 20 milhões por ano. Os produtos são comercializados nas principais redes de varejo do país. "Os orgânicos deixaram de ser apenas um consumo ideológico para se transformar em comércio", pontifica.
Espalhar seus produtos pelo mercado nacional, como faz Marco Giotto, é tudo o que Vilmar Gadens mais deseja para a erva-mate orgânica que colhe em Campo Largo e São João do Triunfo, cidades próximas à capital paranaense. Mas as 5 mil toneladas obtidas a cada ano vão todas para fora – Estados Unidos, Canadá e países europeus. "É uma pena, pois queria manter uma parte para o comércio local", lamenta. Porém, sua gerente de exportação, Kátia Kobata, sabe que essa produção, até agora exclusiva no Brasil, não tem excedente para atender aos dois destinos. É ela quem representa a empresa nas principais feiras internacionais – a mais importante é a Biofach, em Nuremberg, na Alemanha – e faz Gadens manter os pés no chão. "Por enquanto, a melhor remuneração vem das vendas internacionais", diz ele, revelando que recebe US$ 6,50 pelo quilo do produto. Sua ligação com os plantios de erva-mate remonta aos anos 1970, quando a família lidava com cultivos tradicionais. Toda a produção era vendida a uma única empresa nacional, de forte presença no setor. No entanto, o produtor anteviu que a atividade talvez não tivesse futuro promissor se ele continuasse com a comercialização exclusiva e enfrentando aqui concorrentes de peso, como as ervas da Argentina, Uruguai e Chile. "Eu tinha plantios e uma indústria de beneficiamento. Precisava achar o diferencial para elas."
Foi dessa maneira que Vilmar Gadens entrou para o comércio internacional de orgânicos, avaliado em US$ 60 bilhões. Ele esperou os três anos necessários para converter a área de plantio convencional e, quando estava pronto para cultivá-la, levou um baita susto com um único pedido vindo dos Estados Unidos. "O cliente queria 20 toneladas de erva-mate de uma só vez", relembra. Hoje, a empresa tem capacidade de estoque de 500 toneladas. Gadens tem noção de que seu produto, além de ecológico, tem como particularidade o sabor suave obtido por meio da combinação de solo fértil e medidas certas de sol, frio e umidade. O agricultor atende a uma clientela fiel fora do país, mas tem toda a razão em manter-se atento ao mercado nacional, que tem manifestado forte apetite pelos alimentos orgânicos. Sandra Caires Saboia, gerente comercial do Grupo Pão de Açúcar, informa que a meta da empresa é aumentar, até 2014, de 2% para 10% a fatia dos orgânicos na receita de FLV. No ano passado, as vendas do grupo nesse setor somaram R$ 1,5 bilhão. Para Sandra, há condições para que, num futuro próximo, os orgânicos passem a responder por 20% do comércio de frutas, legumes e verduras, mesma proporção verificada nos países europeus. Por dia, são comercializadas 3 mil toneladas desses produtos nas lojas da rede, que reúne as bandeiras Pão de Açúcar, CompreBem, Sendas e Extra. E a companhia está disposta a dar novo fôlego para o setor: após mapear os 300 principais produtores do país, verificou-se que pouco mais de 100 deles são colaboradores do grupo.
Cristophe Allain, instalado em Curitiba há oito anos, é um desses fornecedores. Ele queria ter acesso fácil à matéria-prima proveniente de moinhos para a produção de alimentos integrais. Allain e a esposa já foram donos de um restaurante natural em Mairiporã (SP), viviam em sítio e acompanharam o crescimento do setor. Eles construíram um modesto galpão na região industrial da capital paranaense e lá inauguraram a Jasmine, empresa voltada à fabricação de cookies, cereais matinais e farináceos, que somam 20 produtos orgânicos certificados de uma lista de 120 itens. A empresa familiar ocupa hoje 5 mil metros quadrados, emprega 240 funcionários e vende para as principais redes varejistas do país e para a América do Sul. "Cada lugar tem sua vocação. E a do Paraná é, sem dúvida, a orgânica", avalia. Antes, boa parte da matéria-prima que necessitava, como soja e trigo, era proveniente do próprio estado. Depois, foi preciso recorrer também a Mato Grosso e Rio Grande do Sul para se adequar à necessidade de 500 toneladas anuais, além de buscar outros produtos, como castanha-do-pará na Região Norte e quinoa na Bolívia, a fim de atender à diversificação da produção. Allain espera que, no futuro, os preços dos alimentos orgânicos se tornem mais acessíveis para deixar de ser exclusivos das classes A e B. Uma estatística divulgada no ano passado pela alemã GFK, uma das maiores empresas de pesquisa de mercado no mundo, revelou que as classes C e D (52% dos entrevistados) são as que menos compram esse tipo de alimento no país. Allain acredita que é apenas uma questão de tempo para que essa barreira seja superada. Afinal, avalia, o Brasil deixou para trás o comércio incipiente de orgânicos e se posiciona hoje entre os maiores do setor em todo o mundo, com cultivo de quase 4,9 milhões de hectares, suplantando a Argentina e perdendo apenas para a Austrália.
Fonte: Revista Globo Rural
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