A pandemia do novo coronavírus deu uma rasteira em praticamente todos os setores da economia brasileira. Comércio, indústria e serviços têm se virado como podem para seguir de portas abertas. Nesse cenário, a produção agropecuária também se viu obrigada a pôr à prova sua resiliência. E com um papel decisivo da organização de todos os elos da cadeia produtiva, aliado ao fato de se enquadrar na categoria de produtos essenciais, até o momento, o balanço de aprendizados tem sido positivo.
Os números do agro ilustram bem esse cenário. Enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) da indústria (-1,4%), serviços (-1,6%) e demais segmentos econômicos apresentaram desempenho negativo no primeiro trimestre de 2020, a agropecuária fechou com alta de 0,6%. Na geração de empregos, somente no Paraná, o agro abriu 2,9 mil postos de trabalho de janeiro a abril, enquanto comércio, indústria e serviços demitiram, juntos, mais de 25 mil pessoas.
Para especialistas, a explicação para o agro nadar contra a corrente envolve aspectos relacionados tanto à oferta quanto à demanda. “Quando olhamos pelo lado da oferta, a produção das atividades agropecuárias se dá em ambientes abertos e de uma forma mais dispersa pelo país, não estando concentrada nos centros urbanos como ocorre com outros setores”, reflete o professor de economia agrícola da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Felippe Serigati.
Sobre a demanda, o agro conta com mais uma vantagem, de produzir, em geral, bens de primeira necessidade. “Apesar da restrição da circulação de pessoas em algumas regiões ou da contração de renda nos domicílios, a demanda por alimentos é mais inelástica. Mesmo que haja alguma mudança no consumo de algum produto, como pães especiais e iogurtes, a demanda geral do setor fica mais preservada. As pessoas seguem comendo o pão mais simples e tomando leite. Algo que é diferente nos setores da indústria e serviço, por exemplo”, compara o professor.
Raízes no campo
Esses resultados positivos nos primeiros meses do ano estão bem enraizados em histórias que vêm do campo. Nas propriedades rurais da família de Tabata Stock, na região de Guarapuava, no Centro-Sul do Paraná, a rotina da produção de grãos e pecuária segue a todo vapor. Nos últimos meses, foram contratados quatro novos funcionários, além de estarem com uma vaga aberta para mecânico agrícola. “Como diz a hashtag do momento, o agro não para. Não podemos focar nossas energias só nas perdas e dificuldades, precisamos focar no trabalho”, prioriza Tabata.
Nas quatro propriedades, a família hoje tem um total de 19 colaboradores. Segundo Tabata, ainda não houve impactos diretos do novo coronavírus na rotina da propriedade, mas existe a expectativa de que eles possam respingar nos próximos meses. “Investir e seguir em frente para nós não é apenas uma aposta. Somos trabalhadores rurais mais do que para plantar, colher e ter receita. O nosso vínculo com a terra e com o ser humano é muito maior. Nosso vínculo é alimentar nossa nação, segurar o PIB. Sabemos que o agronegócio é o oxigênio do Brasil”, enfatiza a produtora rural.
As atividades também seguem a todo vapor no Oeste do Paraná. No município de Quatro Pontes, Ademir Griep, que atua com lavouras, suinocultura e avicultura, está em meio à ampliação e reforma de seus três aviários. “Essas obras estão exigindo um gasto um pouco maior, mas já estavam projetadas desde janeiro e nós seguimos com os planos”, compartilha Griep.
O investimento será em torno de R$ 300 mil para cada aviário. Os barracões, que antes tinham 130 por 14 metros, passarão para 150 por 14 metros. Antes, o alojamento era para 22,5 mil aves por barracão, no sistema de lonas amarelas e pressão negativa com sombrite (iluminação natural e artificial). Agora, serão instalados mais quatro exaustores, passando a 12 por aviário, capacidade para alojamento de 31 mil aves por barracão no sistema dark (apenas iluminação artificial). O primeiro alojamento pós-reforma aconteceu no dia 9 de junho.
Robustez estruturada
Luiz Eliezer Ferreira, técnico do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema FAEP/SENAR-PR, lembra que a capacidade do agronegócio de seguir em movimento é algo que reflete o esforço de diversos elos da cadeia nas últimas décadas. Cabe um destaque para o papel do Sistema FAEP/SENAR-PR na representatividade e formação nas últimas décadas. “O setor agropecuário não teve esses resultados bons no início do ano por causa dos números ruins de outros setores. Esses dados na contramão da crise refletem a competência do próprio agro, que tem avançado de forma estruturada, com uma organização histórica da cadeia produtiva”, analisa o técnico.
Além de segurar o tombo da economia, os efeitos do desempenho da agropecuária se espalham por outros segmentos, como aponta Ferreira. É o caso da agroindústria do Paraná. “Nos nossos levantamentos junto à Copel [Companhia Paranaense de Energia] pudemos constatar que, na indústria, a demanda por eletricidade teve uma queda abrupta em grandes cidades do Paraná. Por outro lado, nas regiões onde há agroindústrias, não só ocorreu manutenção do consumo de energia como até mesmo aumento, o que reflete expansão na produção”, revela Ferreira.
Versatilidade: mais um antídoto à crise
Cabe ponderar que existem segmentos que estão sofrendo com a crise do novo coronavírus, como o dos biocombustíveis e das fibras destinadas ao setor têxtil. No entanto, os produtores que não tiveram impactos significativos na demanda por seus produtos conseguiram produzir bem e irradiar esses resultados para outras etapas da cadeia produtiva. Algo que fica bastante evidente na cadeia de proteínas animais.
A cooperativa Frimesa, com sede em Medianeira, reúne a produção de cooperativas da região Oeste do Paraná e atua no mercado de suíno e leite. A crise do coronavírus obrigou a fazer mudanças em relação aos protocolos de funcionamento para evitar a propagação da doença. A empresa afastou das funções presenciais cerca de 500 funcionários do grupo de risco e contratou praticamente o mesmo número para repor a linha de produção.
Entre os 8 mil trabalhadores que seguem atuando presencialmente na fábrica, diversas medidas de segurança foram tomadas, como maior distanciamento entre as pessoas e higienização ainda mais rigorosa nas dependências da fábrica. “Pela adoção de protocolos de segurança, é natural que se tenha diminuição na velocidade de uma linha e que isso reduza a produção. Mas isso foi contornado com a criação de mais turnos de trabalho e estamos conseguindo atender a demanda”, comenta Elias Zydek, diretor-executivo da Frimesa.
Até o momento, as estratégias têm dado resultado. Nos primeiros cinco meses de 2020, a Frimesa teve um aumento de faturamento em torno de 20% comparado com o mesmo período do ano passado. “O principal motivo foi o incremento nas exportações, em torno de 30% no volume de cortes de carne suína. Isso, mais a estabilidade dos preços internos e a alta de 38% nos preços externos, contribuiu para esse bom resultado”, analisa Zydek.
O executivo destaca que o agronegócio paranaense tem uma característica crucial para seguir produzindo em momentos de crise: a versatilidade. Em horas como essa, quando ocorrem mudanças repentinas no perfil de consumo, o agro paranaense dá provas concretas do seu poder de adaptação e transformação.
“Nós tivemos que, em questão de dias, duplicar a linha de fatiados, porque vivemos um momento em que está se comprando muito ingredientes para cozinhar em casa. Em compensação, a demanda por produtos em peças inteiras teve queda expressiva. Essa versatilidade nos processos industriais, ou seja, a capacidade para se adaptar com rapidez é fundamental”, descreve o executivo.
Empregado em plena crise
Foi exatamente da agroindústria que Gabriel Silveira Sousa, 27 anos, recebeu nos últimos dias uma ótima notícia. Médico veterinário recém-formado de Bagé, no Rio Grande do Sul, Sousa acabou de ser contratado pela Cooperativa Lar, em Santa Helena, no Oeste do Paraná. O profissional vai trabalhar com a parte de matrizes e pretende seguir carreira na área de avicultura.
Enquanto falava com a reportagem do Boletim Informativo pelo telefone, fazia os últimos preparativos na casa nova. “Eu não conhecia essa região, mas como surgiu a oportunidade, resolvi aceitar o desafio e me mudar. Vou trabalhar com a parte de bem-estar das matrizes, recria, sanidade, controle de qualidade, genética, nutrição e tudo o que envolve a produção de fêmeas e machos que serão transferidos para o incubatório. É onde tudo começa”, compartilha Sousa.
Aprendizado continua
O professor da FGV, Felippe Serigati, diagnostica que esses primeiros meses do ano trouxeram aprendizados positivos a todas as cadeias produtivas, incluindo o agronegócio. “Estamos aprendendo ao longo do processo, quase como uma questão de sobrevivência. Óbvio que no início esses novos comportamentos precisam ser tomados de uma forma mais atabalhoada, é natural. Só que existe uma coisa chamada curva de aprendizado e nós estamos aprendendo”, aponta o economista.
Serigati sinaliza para a necessidade de se apegar a esses aprendizados e colocar as lições do que deu certo nesse período para o futuro. “A sociedade como um todo teve que apagar uma série de incêndios. Infelizmente, vamos carregar algumas cicatrizes desse processo, mas está longe de ser algo 100% perdido. Estamos aprendendo muito. E quando nós pudermos voltar à normalidade, seja qual for, certamente a gente vai carregar uma fração desses aprendizados e incorporá-los no nosso dia a dia”, prevê.
Contratações e investimentos milionários
Na cooperativa C.Vale, com sede em Palotina, no Oeste do Paraná, houve a criação de 1.166 novas vagas de empregos entre 2019 e 2020, principalmente para atuação na área de processamento de frangos e peixes. Além disso, a organização deu continuidade a projetos de investimentos milionários que vão gerar mais de 2 mil vagas. “Nós já tínhamos dado início a dois empreendimentos quando a pandemia começou: a reativação de um frigorífico da Averama em Umuarama [em parceria com a Pluma Agroavícola] e a construção de um hipermercado em Assis Chateaubriand, uma obra de R$ 49 milhões”, compartilha Alfredo Lang, presidente da cooperativa.
Para Lang, esse bom momento vivido pelo agronegócio está nos ventos soprados pelo mercado externo, especialmente com a alta do dólar. Mas um entrave pode prejudicar novos investimentos. “Outros investimentos nós seguramos, mas não exatamente devido à pandemia. Acontece que a taxa Selic caiu bastante e os juros para investimentos ficaram caros demais. Só iremos começar novos projetos quando as taxas caírem para níveis que viabilizem o investimento”, enfatiza Lang.
O Sistema FAEP/SENAR-PR, o Sistema Ocepar (Organização das Cooperativas do Paraná), a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Paraná (Seab), sindicatos rurais e outras entidades representativas do agronegócio encaminharam ao governo federal um pedido nesse sentido. A redução das taxas de investimento consta no documento de sugestões, enviado no final de fevereiro, para serem incorporadas no Plano Agrícola e Pecuário (PAP). Leia mais sobre esse os detalhes do Plano Safra no Boletim Informativo.
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