Por Felippe Aníbal
Em março, a Organização Mundial do Comércio (OMC) publicou um estudo em que prevê que a pandemia do novo coronavírus irá provocar recessão em escala global. Conforme as projeções da entidade, o comércio mundial deve despencar entre 12,9% (no cenário mais positivo) e 31,9% (nas perspectivas mais negativas). A recuperação da economia só começaria a ocorrer ao longo de 2021. Apesar dessas perspectivas, a habilitação de novos frigoríficos, a demanda externa crescente por alimentos e as características dos principais produtos exportados pelo agronegócio levam a crer que o setor sofra menos que outras atividades econômicas.
Para os economistas da OMC, os efeitos do surto de Covid-19 (doença causada pelo novo coronavírus) na economia sejam mais severos dos que os sentidos na crise financeira internacional de 2008. Conforme avaliação do diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, o foco dos países deve ser controlar a CORONAVÍRUS pandemia e, em segundo plano, mitigar as consequências econômicas. Dividido por regiões, o levantamento prevê a queda de 12,9% das exportações de países da América do Sul e Central, no cenário positivo; e de 31,3%, no cenário pessimista.
“Os inevitáveis declínios no comércio e na produção terão consequências dolorosas para famílias e empresas, além do sofrimento humano causado pela própria doença”, disse Azevêdo. “Esses números são feios, não há como contornar isso. Mas uma recuperação rápida e vigorosa é possível. (…) O comércio internacional será um ingrediente importante, juntamente com a política fiscal e monetária. Manter os mercados internacionais [exportações e importações] abertos e previsíveis, além de promover um ambiente de negócios mais favorável em geral, será fundamental para estimular o investimento renovado de que precisaremos”, acrescentou o diretor-geral da OMC.
Recuperação
Apesar da recessão vertiginosa esperada para 2020, a OMC projeta que a recuperação deve se dar de forma rápida, ao longo de 2021. No cenário otimista, as exportações dos países da América do Sul e América Central podem aumentar 18,6% no ano que vem, compensando, com sobras, a retração esperada para 2020. Na projeção pessimista, no entanto, as nações da região devem ampliar as vendas externas em 14,3%, compensando apenas em partes a queda prevista para este ano.
“O interessante é que, embora a previsão seja de queda generalizada no comércio entre os países em 2020, já no ano que vem a recuperação deve ocorrer de forma muito rápida. No caso da América do Sul, por exemplo, o cenário positivo projeta não só uma recuperação, mas um crescimento além do patamar em que as exportações estavam antes”, comentou Luiz Eliezer Ferreira, técnico do Departamento Técnico Econômico do Sistema FAEP/SENAR-PR.
Em alta
Um dos indicadores que ajudam a formar convicção que o agronegócio brasileiro deve sofrer menos os impactos da crise são as exportações. No primeiro trimestre deste ano (já no período da pandemia), o Paraná ampliou em 2,25% o volume de vendas externas de produtos agropecuários, chegando a 5,3 milhões de toneladas. Com esse comércio, o Estado faturou US$ 2,7 bilhões, que, convertidos para reais, representam um aumento de receita da ordem de 14,7%.
“Até este momento, a pandemia não afetou negativamente as nossas exportações. E a tendência é de que não afete tanto em razão das características dos nossos produtos exportados, que são, principalmente, grãos e carnes, que têm uma grande demanda, principalmente por parte da China”, destacou Ferreira.
Os números comprovam a visão do economista. No primeiro trimestre de 2020, os embarques do complexo soja foram 7,3% maiores, chegando a 3,2 milhões de toneladas. As exportações de carnes tiveram aumento de 8,1%, atingindo 475 mil toneladas e as vendas de produtos do complexo sucro-energético saltaram 91%, totalizando 319 mil toneladas. Ou seja, a demanda segue aquecida para os principais produtos da pauta de exportação do agronegócio paranaense.
Outro fator que deve fazer com que o setor agropecuário passe a crise com menos solavancos é o câmbio. Com o dólar operando bem acima da casa dos R$ 5,00, os produtos brasileiros ganham competitividade no mercado internacional. Apesar de as cotações das commodities agrícolas, cujo preço é definido em bolsas de valores, estarem em queda desde o início do ano, o câmbio acaba compensando este movimento. “Como o dólar está muito valorizado, na conversão para reais, o produtor brasileiro sai ganhando”, sintetiza o técnico do Sistema FAEP/SENAR-PR.
Nesta conjuntura, a tendência é de que a demanda internacional por produtos agropecuários comercializados pelo Paraná continue forte. Um bom indicador é a comercialização da safra de soja: até agora, 54% do volume já foi negociado, enquanto na safra passada, no mesmo período, apenas 28% haviam sido vendidos.
“O setor vai sofrer, é claro, algum impacto. Mas de forma diferente, de acordo com cada cadeia. Carnes e grãos devem ser menos afetados, porque a demanda internacional por esses produtos continuará alta. Já os produtos que não têm correlação de exportações nem formação de preços externos devem ser mais prejudicados. É o caso do setor lácteo, de frutas e de hortaliças”, analisou Ferreira.
Mesmo em meio à crise, Brasil abre novos mercados
Desde o início da pandemia, o Brasil recebeu diversos pedidos de abertura de novos mercados, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Em março, 11 ações de abertura ou ampliação de mercados internacionais foram concretizadas.
“Temos recebido muitos pedidos de informação para aberturas de novos certificados. É uma demonstração de que o mundo está preocupado e vê o Brasil como motor de exportações do agronegócio. É uma janela maior de oportunidade que pode se abrir”, disse a ministra Tereza Cristina.
De acordo com o Mapa, as aberturas ou ampliação de mercados se concentram, principalmente, no setor de carnes, em especial, bovina e de frango, e em material genético avícola. Uma das ampliações diz respeito ao Egito, que habilitou 27 novos estabelecimentos brasileiros para exportação de carne de frango e renovou a autorização de outros 13. Os egípcios também habilitaram 15 novos frigoríficos de carne bovina e renovaram a certificação de 82 plantas.
O Brasil também abriu mercado com o Marrocos (para exportar pintos e ovos férteis), com a Argentina (para envio de lácteos para alimentação animal e para exportação de embriões bovinos, sêmen suíno e carne de rã), com os Emirados Árabes (para venda de ovos férteis e pintos) e com a Colômbia (carne bovina). Além disso, a China aprovou a lista de frigoríficos brasileiros a exportar pescados e a Indonésia aumentou em 20 mil toneladas a cota de importação de carne bovina do Brasil. Estão em negociação a intensificação de exportações de carne bovina e de frango à Malásia e Cingapura.
O presidente da Associação Brasileiras das Empresas Exportadoras de Carnes (Abiec), Antônio Jorge Camardelli, também cita a abertura dos Estados Unidos que, desde fevereiro, vêm comprando matéria-prima brasileira para a fabricação de hambúrguer. Além disso, ele aponta que a estruturação da cadeia produtiva permite que o Brasil venha a atender a demandas de outros países.
“Temos o potencial da indústria voltado tanto para o mercado interno, quanto para o externo. Mas o que a gente vê é que, posteriormente a essa crise, haverá uma oportunidade, com mercados necessitando muito de matéria-prima”, disse Camardelli. “A gente precisa, primeiro, colocar a nossa bandeira nos novos mercados, independentemente do volume exportado. Depois, oportunizarmos o que temos de melhor: oferta, preço competitivo e um produto verde”, acrescentou.
Principal parceiro
Principal parceiro comercial do Brasil, a China é peça- -chave neste contexto. Em março, o Brasil exportou 126 mil toneladas de carne bovina ao gigante asiático – um recorde histórico para o mês. O consultor Felippe Reis, da Scot Consultoria, relembra que, além de ter sido o epicentro inicial do novo coronavírus, a China também enfrenta um surto de Peste Suína Africana (PSA), que dizimou mais da metade do rebanho de suínos do país. Em razão disso, a nação oriental, que tem quase 1,4 bilhão de habitantes, deve continuar mantendo sua demanda por proteína animal de outros países.
“Aí, o Brasil surge como grande oportunidade para eles [China]. Nós temos produção suficiente para atender ao mercado interno e, ainda, exportar um bom volume. Eles podem vir procurar o produto brasileiro com mais força. Apesar dos desgastes ocorridos [decorrentes de declarações do deputado federal Eduardo Bolsonaro e do ministro da Educação, Abraham Weintraub], a relação entre os dois países sempre foi muito boa”, apontou Reis.
A ressalva do consultor da Scot diz respeito ao mercado interno. Reis aponta que, no início da pandemia, alguns frigoríficos saíram das compras e chegaram a dar férias coletivas aos funcionários. Paralelamente, a consultoria diagnosticou um esfriamento das compras internas de carnes.
“Nesse período de quarentena, tivemos a diminuição da demanda em mercado interno via estabelecimentos, como restaurantes, bares e lanchonetes, que estão fechados. Outro ponto que pesa é que, com a população em quarentena, a tendência é a redução do consumo de carne, com as pessoas optando por congelados e enlatados”, disse Reis. “Por enquanto, temos grandes incertezas. Só mais para o fim de abril é que vamos ter um cenário mais claro que como se comportou o mercado interno e como foi a demanda internacional”, acrescentou.
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