Cada vez mais mulheres vêm conquistando espaços no setor agropecuário, seja como líderes rurais, produtoras ou profissionais. Em outubro, a revista Forbes lançou sua primeira lista “100 Mulheres Poderosas do Agro”, destacando figuras femininas que são protagonistas em diferentes esferas do agronegócio. Neste grupo, seis nomes são de origem paranaense. Na edição 1550, do Boletim Informativo do Sistema FAEP/SENAR-PR, começamos a contar as histórias destas superpoderosas do agro, com as duas representantes de Castro, nos Campos Gerais. Leia a continuação nesta e na próxima edição da revista, que encerrará a série.
Cecília de Mello Falavigna – Maringá
Há 24 anos, Cecília Falavigna viu sua vida mudar de um dia para o outro. Em 1997, Cecília perdeu o marido, responsável pela administração da propriedade rural em Floraí, município próximo a Maringá. Além de aprender a conviver com o luto, Cecília se viu diante do desafio de comandar os negócios da família. Ela, que trabalhou a vida como professora e se dedicou à criação dos três filhos, não tinha experiência no campo. “Sempre trabalhei na área de educação e nunca acompanhei os negócios na fazenda. Foi um choque muito grande. Tive que arregaçar as mangas e seguir em frente com muita garra”, conta.
Decidida a continuar o legado da família, Cecília procurou ajuda na cooperativa Cocamar, da qual o marido sempre foi associado. A ex-professora começou do zero, fazendo cursos, conversando com profissionais e outros produtores. “Não tinha parentes ou conhecidos para me apoiar, passei a conhecer pessoas da agricultura a partir da necessidade. Na cooperativa, sempre me acolheram muito bem, então aproveitei tudo que ofereciam. Foram anos de estudo”, diz.
Aos poucos, Cecília foi se inteirando dos negócios, com ajuda da cooperativa e dos funcionários da propriedade. Em 2009, participou do Programa Mulher Atual, do Sistema FAEP/ SENAR-PR, algo que lembra com muito carinho. “Foi um curso que me marcou bastante”, afirma.
Além das dificuldades de aprender um novo negócio, Cecília ainda precisava lidar com o machismo do setor. Apesar do suporte dado pela cooperativa, ela se sentia sozinha enquanto mulher, pois a participação feminina era muito pequena. A partir daí, decidiu formar um grupo de mulheres para fortalecerem umas às outras.
“Antigamente, a gente não ouvia falar de mulheres participando do agro. Hoje, vemos esse crescimento do posicionamento feminino. É motivo de orgulho para nós que isso reflita para outras chegarem onde chegamos. Temos que dar bons exemplos”, aponta.
Por meio de muito estudo e dedicação, Cecília aprendeu a ser produtora rural. Assumiu o comando da propriedade, buscou melhorias, reavaliou decisões, renovou maquinário e investiu em tecnologia. Percebeu que o gado que tinha na propriedade não estava sendo uma boa opção. Decidiu trocar o pasto por pomares de laranja. A produção conquistou olhares e passou a ser referência dentro da cooperativa.
“Aos poucos fui adquirindo facilidade e perdendo o receio. Hoje eu agradeço por ter enfrentado o desafio e encarado as dificuldades”, relembra. “Por isso eu digo para as mulheres não terem medo de tomarem atitude e estarem junto nos negócios, acompanhando as atividades, para não serem surpreendidas com os obstáculos”, aconselha.
De professora, Cecília se tornou uma personalidade do campo, com mais de 480 hectares de produção de soja, milho e laranja em duas propriedades, em Floraí. Ganhou reconhecimento pelos resultados alcançados, principalmente em termos de produtividade. Foi premiada três vezes pelo Comitê Estratégico Soja Brasil (Cesb) no Desafio Nacional de Máxima Produtividade da Soja, nas safras 2013/14, 2014/15 e 2016/17. Ainda, a produtora ganhou outros prêmios e viajou o Brasil contando sua história. Também ocupa o cargo de vice-presidente da Sociedade Rural de Maringá (SRM).
“Se estou dando o meu melhor e tendo resultados melhores, quero mostrar para outros agricultores que eles também conseguem, que investimento e persistência levam ao sucesso lá na frente”, garante.
Hoje com 76 anos, Cecília está se preparando junto ao filho mais velho para fazer a sucessão dos negócios. Decidiu que está na hora de descansar e acredita que é importante que os mais jovens continuem a construir o agro brasileiro. Apesar de ter trocado as salas de aula pelo campo, Cecília nunca perdeu seu amor pela educação. Afinal, como ela reforça, foi por meio do estudo que conquistou tudo o que tem. Esse é o recado para outras mulheres. “As mulheres podem estar onde quiserem, desde que aproveitem as oportunidades e estudem. A dificuldade existe, mas ela te ensina”, finaliza.
Maria Iraclézia de Araújo – Maringá
A história de Maria Iraclézia começou no campo, a quase 3 mil quilômetros de Maringá, no Norte paranaense. Natural de Acopiara, no Ceará, foi nascida e criada em uma comunidade rural, ao lado dos seis irmãos mais velhos, acompanhando o pai nas plantações de algodão, milho e feijão. Aos 14 anos, foi cursar o Ensino Médio na Escola Agrotécnica Federal de Iguatu,
sendo a primeira mulher a se formar Técnica em Agropecuária na instituição.
Após o Ensino Médio, Maria Iraclézia foi aprovada no curso de Medicina Veterinária, mas não conseguiu realizar a matrícula pois não havia concluído as horas necessárias do estágio do curso técnico. Decidiu, então, se inscrever para participar de um projeto de irrigação da região do Vale São Francisco, que incluía um estágio de seis meses em Israel. Os planos, mais uma vez, não deram certo.
Então, nas férias na casa do tio, em Maringá, que Maria Iraclézia, com 19 anos, deu outro rumo para a sua vida. Deixou namorado, amigos e a família no Nordeste, e decidiu fixar moradia no Paraná. “Um dos meus sonhos era morar em uma região que chovesse e tivesse muita área verde. Viajei pelo Estado todo para conhecer”, relembra. Com os pais ainda pressionando para que a filha voltasse, Maria Iraclézia não cedeu. Entrou para o curso de Zootecnia na Universidade Estadual de Maringá (UEM) e começou a estagiar na Sociedade Rural de Maringá (SRM), que lhe abriu as portas para construir sua trajetória no agronegócio.
“Participei de muitos eventos, principalmente da organização da feira Expoingá. Tive que trabalhar e estudar ao mesmo tempo, o que não foi nada fácil, porque ocupava todo o meu tempo. Eu era jovem, então tive que renunciar muitas atividades que meus amigos faziam. Eu fiz escolhas”, destaca.
Ela também lembra dos muitos momentos em que chorou sozinha, questionando as próprias decisões. “Eu cresci ouvindo minha mãe dizer que a única coisa que iria transformar a minha vida era o estudo. E ela tinha razão”, afirma.
Em 2008, após 13 anos como colaboradora na SRM, Maria Iraclézia concorreu à presidência e venceu com maioria dos votos. Foi a primeira mulher a presidir uma entidade do gênero no país. Segundo ela, sua trajetória na SRM foi um longo processo de construção, aproveitando oportunidades, adquirindo conhecimento, conquistando a confiança das pessoas e mudando opiniões de quem chegou a duvidar do seu potencial.
“Foi uma grande conquista no sentido de ocupar espaços. Nós, mulheres, viemos conquistando esses espaços nos últimos anos, resultado de muito trabalho”, aponta Maria Iraclézia que, em sua primeira posse, convidou as esposas dos associados, que anteriormente não participavam da cerimônia.
Na época, recebeu a Medalha Mérito Legislativo, maior honraria da Câmara dos Deputados e uma das maiores do Parlamento Brasileiro. Nos anos seguintes, outras condecorações vieram somar seu currículo. Em 2018, foi homenageada pelo governo do Paraná com a Ordem do Pinheiro, a mais alta honraria do Estado. Em 2019, recebeu a outorga do título de Cidadã
Benemérita pela Câmara Municipal de Maringá e o Prêmio ACIM Mulher, concedido pelo Conselho de Mulheres Empresariais e Executivas da Associação Comercial de Maringá.
Atualmente com 52 anos e no quinto mandato da SRM, Maria Iraclézia foca sua atuação na área de gestão e eventos, estando à frente da coordenação e realização da Expoingá. Além de reestruturar o formato da feira, instituiu dois dias de portões abertos, ajudando a arrecadar fundos para mais de 150 instituições com foco social – outra de suas grandes paixões.
Com um filho prestes a completar 18 anos, Maria Iraclézia reforça que, muito do seu trabalho, é com a intenção de deixar um exemplo. “Tudo que eu puder fazer para transformar a sociedade, seja do ponto de vista ético, profissional, ocupar espaços, fazer a diferença na vida de pessoas, enfim, é meu maior legado. Mesmo que sejam pequenas transformações, a somatória pode fazer a diferença”, diz. “Quero dizer para as mulheres que elas podem estar onde quiserem. Se permitam tentar, errar e acreditar. E estudem muito”, conclui.
Comentar