O Censo Agropecuário de 2017, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), identificou 947 mil mulheres responsáveis pela gestão de negócios rurais, de um total de 5,07 milhões, o que corresponde a 19%. Apesar de a participação feminina ainda ser tímida em números, a coragem e a força das mulheres em desbravar esse ambiente são significativas. Uma pesquisa conduzida pelo Agroligadas, um movimento independente de mulheres do agro, revelou que 93% se sentem orgulhosas pela atividade que desempenham no campo. Ainda, 97% estão felizes com o trabalho, 77% notam que suas habilidades e conhecimentos são reconhecidos, 72% são ouvidas e 68% sentem-se livres para tomar decisões.
O reconhecimento da atuação feminina no campo já desponta em diversos âmbitos. Recentemente, a revista Forbes divulgou a sua primeira lista “100 Mulheres Poderosas do Agro”, com nomes que se destacam em diferentes áreas do agronegócio e que representam um movimento de mudança no campo. Neste grupo, seis nomes são de origem paranaense. Na sequência e nas próximas edições do Boletim Informativo do Sistema FAEP/SENAR-PR, vamos contar as histórias destas superpoderosas do agro.
Ana Carla de Oliveira Bueno – Castro
Suinocultora em Castro, nos Campos Gerais, Ana Carla, 37 anos, começou sua história com o agro faz pouco tempo, em meados de 2018. Nascida e criada na cidade, ela trabalhava em um comércio de veículos em Carambeí, junto com o esposo, enquanto ele, paralelamente, mantinha um pedaço de terra com gado de corte. “Era uma propriedade pequena, mas tinha caído bastante o preço na época e não havia muita produção. Pensamos em mudar para algo diferente com mais rentabilidade”, conta.
Foi quando o esposo trocou as terras e decidiu investir em uma granja de suínos. Como ele mantinha os negócios na cidade, sugeriu que Ana Carla cuidasse da propriedade. No início, funcionários eram encarregados das atividades e Ana Carla apenas supervisionava, mesmo com as dificuldades em entender o que estava sendo feito por falta de conhecimento. “Não tinha noção do tamanho da responsabilidade de estar à frente da atividade”, relata.
Após dois anos, Ana Carla sentiu o “chamado” para estar mais presente e realmente assumir os negócios. Em março de 2020, no início da pandemia, decidiu passar uma semana na propriedade para acompanhar de perto a rotina, e ali permaneceu. Saiu da cidade e se mudou para o campo, junto com os dois filhos, de 12 e 14 anos. O marido foi alguns dias depois, mas até hoje, mantém uma rotina de bate-e-volta para cuidar do comércio em Carambeí.
“Logo quando adquirimos a nova propriedade, eu criei um grupo de mulheres que trabalham com suinocultura para a troca de experiências. Como eu não estava no ramo, eu precisava de ajuda. Eu achava que seríamos poucas, mas acabei encontrando muitas mulheres. Elas me ajudaram bastante a entender e a superar as dificuldades”, compartilha Ana Carla.
O grupo Mulheres da Suinocultura surgiu no WhatsApp, em parceria com duas amigas. A iniciativa, então, começou a crescer, consolidando-se como uma das primeiras desse setor. Atualmente são 137 participantes no aplicativo de troca de mensagens, mas o grupo já se estendeu para outras redes sociais, como o Facebook, com mais de 1,5 mil curtidas, e Instagram, com mais de 3,4 mil seguidores.
No WhatsApp, o grupo também já ultrapassou as fronteiras paranaenses, e reúne suinocultoras de Santa Catarina, São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Sergipe, Pernambuco, Rio de Janeiro e Goiás. Elas trocam experiências sobre o dia a dia na granja, técnicas de manejo, dicas e outras informações sobre suinocultura. Além, é claro, de ser um grupo para fortalecer o protagonismo feminino na atividade.
Segundo Ana Clara, o crescimento do coletivo foi orgânico. “As redes sociais ajudaram, mas muito foi no boca a boca. As próprias mulheres indicaram umas para as outras, as empresas integradoras também divulgaram para melhorar a comunicação”, afirma. Entre as participantes, além de produtoras integradas, cooperadas e independentes, estão presentes técnicas, veterinárias, zootecnistas e outras profissionais da área.
Sobre os desafios de ser uma mulher atuando na suinocultura, Ana Carla revela que se deparou com alguns episódios de preconceito e desconfiança, em que precisou se impor para ter suas opiniões e vontades respeitadas, principalmente na condução da propriedade.
“A gente não pode focar muito nos desafios porque você acaba se desanimando. Se tem um objetivo, tem que olhar para frente”, aconselha. Hoje, Ana Clara conduz uma granja com 950 suínos em terminação. As expectativas são de crescimento. A produtora, que não tem formação na área, quer voltar a estudar e investir em capacitação. “Fico lisonjeada com o reconhecimento. Quero manter esse exemplo positivo. Sei que ainda tenho muito a aprender”, conclui.
Débora Pilatti Noordegraaf – Castro
Com 50 anos, Débora Noordegraaf é coordenadora da Comissão Mulher Cooperativista da Castrolanda, um dos mais antigos grupos de mulheres cooperativistas. Além do cargo, a suinocultora conduz duas granjas com 6 mil animais em terminação. Mas, apesar do seu total envolvimento no setor e na atividade, Débora começou “do nada”, indo atrás de conhecimento e formação técnica para começar a trabalhar no campo.
Sem nenhuma ligação prévia com o agro, Débora foi morar na Castrolanda em 1994, quando se casou com um descendente de holandeses e cooperado. Em meados de 2010, seu esposo decidiu ampliar a propriedade no ramo da suinocultura e passou a atividade aos cuidados de Débora. Para se especializar, ela participou de um curso de gestão de propriedade em suinocultura.
“Foi um desafio em dois aspectos: primeiro porque eu, até então, não entendia nada de suinocultura; segundo que, no curso, era uma turma de 40 pessoas e só duas mulheres. Posso dizer que batemos de frente com o preconceito.
Eu sentia que precisava mostrar o dobro para ter o mesmo reconhecimento. Me dediquei muito para aprender e colocar em prática o meu melhor”, relata. No mesmo período, surgiu a oportunidade de participar do Programa Mulher Atual, pontapé inicial para a criação da Comissão Mulher Cooperativista. “Foi um divisor de águas”, comenta Débora. O programa do Sistema FAEP/SENAR-PR foi a primeira capacitação destinada às mulheres da cooperativa.
Cerca de 20 participantes se reuniram para a formação. Destas, seis mulheres – incluindo Débora –, retornaram à cooperativa após a conclusão do curso e passaram a estar mais presentes. Nesse meio tempo, esse mesmo grupo de mulheres participou do Programa de Desenvolvimento de Liderança (PDL), onde no qual surgiu a ideia de criar um grupo que representasse o restante das mulheres na cooperativa. Foi então, há 12 anos, que a Comissão Mulher Cooperativista da Castrolanda começou a dar os seus primeiros passos. “No início éramos apenas um grupo de voluntárias tentando ajudar outras mulheres”, afirma.
O grupo começou a se desenvolver e, aos poucos, participar da cooperativa. Até que, em 2018, a Comissão foi oficialmente reconhecida, com criação de estatuto e eleição de chapa com sete integrantes. “Quando tivemos esse reconhecimento da chapa eleita, a cooperativa percebeu a importância do nosso trabalho. Fomos, então, convidadas a contribuir com o planejamento estratégico da cooperativa, algo inédito para um grupo de mulheres”, relembra.
Para Débora, o reconhecimento do trabalho da Comissão foi inesperado, mas, principalmente, gratificante. No início da pandemia, o grupo encarou o desafio de se reestruturar para melhor atender as mulheres no cenário de distanciamento social e eventos online. O lançamento de uma série de vídeos com produtoras de diferentes atividades agropecuárias fez grande sucesso nas redes sociais, sendo reconhecido e compartilhado pela Organização das Cooperativas do Brasil (OCB). A partir daí, veio a indicação do grupo como case de sucesso em um evento de Embaixadoras do Cooperativismo e o nome de Débora na lista da Forbes.
“Na hora a minha reação foi chorar”, comenta Débora, emocionada. “Ficamos muito felizes com o reconhecimento em nível nacional. Não imaginávamos essa repercussão quando começamos. Recebemos muitas críticas, muitos ‘nãos’, mas hoje vemos a relevância e a responsabilidade que nós temos como comissão, porque nosso trabalho começou a servir de espelho para o Brasil inteiro, graças àquelas seis mulheres que, lá atrás, não desistiram”, finaliza.
Comentar