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Merenda orgânica abre mercado de R$ 80 mi a produtores do Paraná

Meta do governo estadual é que alimento comprado diretamente de agricultores seja todo produzido de forma orgânica até 2030

À esquerda de uma subida numa estrada de terra, passando um portão de bambu e uma descida com um gramado no qual pasta um cavalo, repousa uma casa de madeira de dois andares em estilo antigo e piso rústico. Lá dentro, sementes de vários tipos em cima de uma mesa, um fogão à lenha e hospitalidade se tornam um convite para se sentar e trocar um dedo de prosa. Janete da Luz Vieira logo se acomoda num dos bancos de madeira, ao lado de uma ampla janela, para dividir que os Vieira estão naquela mesma propriedade rural, de 18 hectares, em Campo Largo, Região Metropolitana de Curitiba (RMC), há mais de sete décadas, vivendo da produção de milho, feijão, alface, tomate, berinjela, entre outros alimentos.

Janete conta, logo no início da conversa, um dos episódios que, apesar de recente, já está no livro de memórias da família. Há cerca de três anos, eles conseguiram a certificação de produção orgânica. Com isso, conseguiram entrar no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) como fornecedores de ingredientes para a merenda das escolas estaduais da região. Desde então, começaram a ter uma renda extra de cerca de R$ 1,2 mil por mês. “Mandamos sacolas com uma quantidade padrão de alimentos toda semana, sendo pelo menos três legumes, duas folhosas, um chá e dois temperos. Tem nos ajudado muito”, compartilha Janete.

Demanda crescente

Assim como os Vieira, milhares de outras propriedades rurais de produção orgânica no Paraná serão requisitadas nos próximos anos. Afinal, o governo estadual regulamentou, no dia 9 de março de 2020, o decreto 4.211, que prevê o aumento gradual de alimentos orgânicos na merenda escolar. Pois, o objetivo é que todos os ingredientes sejam fornecidos por produtores rurais adeptos do sistema produtivo orgânico até 2030.

Atualmente, o governo do Paraná tem três modos de comprar os ingredientes para a merenda dos alunos das 2.143 escolas estaduais. A primeira é uma licitação dos produtos não perecíveis, como arroz, feijão, óleo, macarrão, farinhas e etc. A segunda, também licitação, compra os congelados, como as carnes (bovina, suína, frango e peixe), e ovos frescos. “Hoje, o valor total da aquisição da merenda está em R$ 205 milhões, só aplicado na compra de produtos, sem considerar transporte, armazenamento e outras despesas”, explica José Maria Ferreira, diretor-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Educacional (Fundepar).

Desse montante, a fatia de R$ 90 milhões é destinada à compra direta de alimentos dos produtores rurais, operacionalizada por meio de chamadas públicas. Nesse segmento estão as hortaliças de modo geral e outros produtos frescos. Foi por meio de um processo assim que os Vieira passaram a integrar a lista de fornecedores do Estado. “Na compra direta, hoje, nós temos uma parcela em torno de 14% de produtos orgânicos, o que dá mais ou menos R$ 10 milhões na aquisição de alimentos desse tipo”, revela Ferreira.

Oportunidade

Pelas contas iniciais, até 2030 será necessário acrescentar, no mínimo, mais R$ 80 milhões em hortaliças orgânicas no Estado. Isso sem contar a demanda crescente dos consumidores, que procuram por alimentos diferenciados nos supermercados. De acordo com estimativa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a produção orgânica no Brasil cresce a taxa de 20% ao ano. Em relação ao preço, a estimativa é que haja um incremento médio de 30% em relação ao mercado convencional. Mas, diante destas projeções, existe a dúvida se o crescimento da produção será suficiente nos próximos anos no Paraná.

Um dos projetos que visa incentivar a produção de orgânicos no Estado é o Programa Paraná Mais Orgânico, que ajuda pequenos produtores orgânicos a certificarem a propriedade e promove o apoio nos processos de comercialização da produção. A iniciativa já fez 1.127 certificações em propriedades rurais orgânicas paranaenses, em torno de 35% do total existente no Estado. O programa é desenvolvido em uma parceria entre a Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Tecpar (Instituto de Tecnologia do Paraná), as sete universidades estaduais e o Centro Paranaense de Referência em Agroecologia.

Qualificação

Na área de orgânicos, o SENAR-PR disponibiliza a formação “Informações Básicas sobre Agricultura Orgânica”. Neste segmento, desde 2001, a instituição já teve mais de 2,1 mil turmas e formou mais de 25 mil pessoas. No momento, há uma mobilização para atualizar os conteúdos dos cursos nessa área, modernizando e adequando os temas às legislações mais recentes. O setor produtivo e instituições do governo estão envolvidas nesses debates para fazer os aprimoramentos necessários.

Além do curso específico, outras formações do SENAR-PR são bastante úteis para os produtores de hortaliças. Aquela casa do início da reportagem, por exemplo, construída pelos Vieira, já abrigou diversas formações da institui ção. Janete mobilizou, com a ajuda de vizinhos, um grupo de produtores de orgânicos, que hoje já conta com sete propriedades integrantes. “Nós fizemos os cursos na minha casa, reunindo pessoas da região. As duas últimas foram de Boas Práticas Agropecuárias e Derivados de Mandioca”, lembra Janete Vieira, produtora de orgânicos em Campo Largo.

Como funciona a certificação?

À primeira vista, conseguir a certificação como produtor de orgânicos pode parecer um bicho de sete cabeças. Há 14 anos no setor de Certificação do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), Fábio Corrales pontua que, observadas as normas que regem o setor, o processo é relativamente fácil. Atualmente, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) regulamenta a certificação de orgânicos no Brasil, com base nas leis que tratam do tema: 10.831, de 23 de dezembro de 2003, e o Decreto 6.323, de 27 de dezembro de 2007.

Para Corrales, o primeiro ponto para o produtor pedir a certificação é ter conhecimento das instruções normativas do Mapa. “Ali está tudo de forma detalhada o que o produtor tem que atender para obter a certificação. A transição do convencional para orgânico vai envolver o manejo que ele usa, os insumos que utilizados, a forma de lidar com os registros. Tudo isso precisa estar disponível para os sistemas de auditoria, e até mesmo para o Mapa depois quando for fiscalizar”, enumera o especialista.

Além disso, é preciso saber exatamente qual mercado se quer atingir, pois existe um tipo de certificação para cada objetivo: por Auditoria, no qual a concessão do selo é feita por uma certificadora pública ou privada e envolve algumas etapas a mais por considerar critérios internacionais e o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro); por Sistema Participativo de Garantia (SPG), na qual ocorre a responsabilidade coletiva dos membros de um determinado sistema; e por Controle Social na Venda Direta, na qual o credenciamento é feito diretamente pelo produtor.

Os métodos por Auditoria e SPG são indicados para quem quer entrar em grandes redes de varejo ou mesmo vender a comerciantes que irão revender os produtos orgânicos. No caso do Controle Social na Venda Direta, o produto passa a fazer parte do Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos, fiscalizado pelo Mapa, e só pode fazer venda direta (em feiras ou na propriedade). E como consta no cadastro nacional, pode participar de chamadas pública de compra direta, como é o caso do PNAE, que adquire ingredientes para a merenda escolar.

Ainda de acordo com Corrales, o crucial na mudança de modelo de produção é o hábito do produtor. “Vai envolver um pouco de organização por parte dele, principalmente na parte de registros, na confecção de informações disponível na propriedade, mas isso depois de feito, adequado, é só manutenção. É simplesmente manter o sistema que resultou na certificação”, revela.

Informações

O Tecpar faz certificação por auditoria. O tempo estimado entre o pedido e a emissão do certificado, caso toda a documentação esteja em dia e as exigências da Lei sejam cumpridas, é de 15 a 20 dias. O produtor interessado em produzir orgânicos por esse método pode acessar o site www.tecpar.br para obter mais informações. O Mapa também disponibiliza, em sua página na internet (www.agricultura.gov.br), uma série de informações para tirar dúvidas sobre a regulamentação nacional de orgânicos.

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Antonio Senkovski

Repórter e produtor de conteúdo multimídia. Desde 2016, atua como setorista do setor agropecuário (do Paraná, Brasil e mundial) em veículos de comunicação. Atualmente, faz parte a equipe de Comunicação Social do Sistema FAEP. Entre as principais funções desempenhadas estão a elaboração de reportagens para a revista Boletim Informativo; a apresentação de programas de rádio, podcasts, vídeos e lives; a criação de campanhas institucionais multimídia; e assessoria de imprensa.

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