A chegada a Israel de avião proporciona uma imagem intrigante entre a cor amarelada da areia do deserto e incontáveis quadrados verdejantes. Com os pés no chão é possível constatar que o contraste é formado por lavouras de melancia, hortaliças, trigo, algodão, tâmara, banana, uva e uma infinidade de cultivos. O olhar atento permite entender que o segredo para o sucesso da agropecuária israelense não é milagre, mas fruto do investimento em irrigação com inovação e alta tecnologia.
Esse cenário fez parte da rotina de 44 produtores rurais do Paraná que estiveram em viagem técnica promovida pelo Sistema FAEP/SENAR-PR, entre 2 e 11 de junho. O segundo grupo que esteve no país do Oriente Médio visitou centros de pesquisa, propriedades rurais, a Bolsa de Valores de Tel Aviv e a cidade de Jerusalém para conhecer o que há de inovador em produção agropecuária para inspirar líderes rurais do Paraná.
Ao longo das visitas, os produtores paranaenses puderam identificar que o primeiro trunfo da agropecuária israelense está no sistema de distribuição de água. O país capta recursos hídricos do mar e os transforma em água potável à população de 9,4 milhões de habitantes. Após passar pelas residências, 90% do esgoto são coletados e tratados de forma eficiente, permitindo o uso na irrigação e fertirrigação da agricultura. A rede de tubulações azul (potável) e roxa (reutilizada) corta de Norte a Sul o pequeno país com 22 mil km² (oito vezes menor do que o Paraná). Todos os tipos de água são pagos pelos consumidores, incluindo os produtores rurais, variando de preços que vão de R$ 0,16 a R$ 0,82 o m³.
Tecnologia do gotejamento
O processo para disponibilizar água nas torneiras é apenas o primeiro passo de um sistema complexo que envolve investimento em alta tecnologia. Para os israelenses, não basta irrigar. É preciso verificar cada gota, para aproveitar esse recurso tão escasso da melhor forma possível por meio da tecnologia de irrigação por gotejamento. A técnica foi desenvolvida nos anos 1960 dentro da empresa Netafim, no Kibutz (comunidade cooperativa agrícola) Hazerim, no Deserto de Negev, no Sul do país. Atualmente, a companhia tem 5 mil funcionários em 110 países, incluindo o Brasil, e faturamento superior a US$ 1 bilhão por ano.
Em visita ao centro de pesquisa da empresa no Kibutz Hazerim, os produtores do Paraná confirmaram o esforço para seguir com o desenvolvimento de tecnologias. Com essa cultura, a companhia também foi uma das pioneiras no uso de fertirrigação e na disponibilização de softwares que permitem o gerenciamento do fornecimento de nutrientes para as plantas. “Nós trabalhamos com irrigação de precisão. Nenhuma gota é desperdiçada, incluindo o que usamos em sistemas hidropônicos, com recirculação nos nossos sistemas”, diz o head global de agronomia da Netafim, Ram Lisaey.
Segundo o executivo da companhia, os sistemas de gotejamento e fertirrigação podem ser usados em culturas de diferentes portes. Inclusive, a Netafim disponibiliza uma tecnologia que permite que os tubos de gotejamento sejam instalados de forma subterrânea, aumentando a eficiência e reduzindo despesas com manutenção. “Temos exemplos de clientes que usam o gotejamento para irrigar as bordas das plantações, onde o pivô não alcança”, detalhou Lisaey.
País da inovação
O mesmo ímpeto da inovação atravessa gerações em Israel, gerando novas soluções que se espalham ao redor do mundo. Por exemplo, a empresa Cropx, líder em análise de dados de solo em tempo real, criou uma solução de sensoriamento remoto. Hoje, a Cropx tem clientes como a Pepsico e até a Nasa. “Coletar dados e não conseguir usá-los por estarem em um caderno ou uma planilha é um crime. Isso nos motivou a criar e expandir nossa plataforma”, explica Matan Rahav, vice-presidente da Cropx.
Há ainda inúmeros projetos e estudos para unir irrigação, produção de alimentos e geração de energia. A Trisolar InnWadi Group, centro de pesquisa com apoio da Universidade de Tel Aviv, desenvolve estudos que medem a eficiência da instalação de painéis fotovoltaicos dentro de estufas. Isso porque, nos próximos anos, leis devem obrigar a integração de painéis com produção agrícola no país.
O fato de Israel ser considerada a nação da inovação explica o surgimento constante de empresas como a Netafim, a Cropx e os inúmeros centros de pesquisa. De acordo com o diplomata Udi Avivi, da Embaixada de Israel, os principais setores da economia nacional são a indústria de informática, ciências da vida e robótica. Cerca de 11% das pessoas empregadas atuam em empresas ligadas à alta tecnologia, que representam 54% das exportações do país.
“Nós tivemos dificuldades, que ao longo do tempo conseguimos transformar em pontos fortes para chegarmos aonde estamos hoje. Assim, conseguimos fazer nossa renda per capita saltar de US$ 7 mil em 1984 para US$ 43 mil em 2019”, aponta Avivi.
Um dos segredos para atingir índices de crescimento de renda significativos está no aspecto cultural, segundo Avivi. Ao contrário do que acontece na cultura ocidental, a falha para os israelenses é um meio para alcançar o sucesso. Tanto que há financiamentos destinados a empresas inovadoras que não precisam pagar se o negócio não prosperar (desde que cumpridos os pré-requisitos). Se forem bem-sucedidas, por outro lado, as organizações que utilizaram o financiamento pagam royalties sobre os lucros. Sem contar que o salário de um cientista israelense é maior do que de um ministro de Estado, o que incentiva o engajamento de jovens na carreira.
Produtores do Paraná preveem aplicação do conhecimento
Os agricultores e pecuaristas que fizeram parte da viagem técnica promovida pelo Sistema FAEP/SENAR-PR projetam que várias práticas adotadas em Israel podem ser adaptadas à realidade do Paraná. Segundo o presidente do Sindicato Rural de Paranavaí, Ivo Pierin, conhecer o sistema israelense acendeu o alerta para que se faça um uso mais eficiente e sustentável dos mananciais no Brasil. “Nós reaproveitamos pouco, temos desperdício e uma viagem como essa traz essa reflexão de que podemos melhorar nossa situação ambiental e a produção agrícola. A irrigação no Paraná é em uma área pequena. Temos condições para aumentarmos essa prática”, analisa.
A presidente da Comissão Estadual de Mulheres da FAEP (CEMF) e presidente do Sindicato Rural de Teixeira Soares, Lisiane Czech, destaca que o roteiro técnico permitiu conhecer as diferenças e semelhanças entre a agropecuária de Israel e do Brasil. “Eles têm a capacidade de converter desafios, desenvolver métodos e achar soluções. As startups têm incentivo, com foco no empreender até que o negócio dê certo. Esse investimento em conhecimento, pesquisa e treinamentos pode inspirar os brasileiros a bebermos dessa cultura e resolvermos nossos problemas”, explica.
Apesar de as dificuldades de Israel serem bem maiores, o Paraná pode se inspirar para resolver problemas, segundo o presidente do Sindicato Rural de Prudentópolis, Edimilson Roberto Rickli. “Em Israel existe uma pegada em relação à situação ambiental, que o mundo está se preocupando, em relação à agricultura sustentável, com menos emissão de poluentes. Vimos uma agricultura limpa, ecológica, tornando o produtor cada vez mais eficiente”, avalia.
Diante do uso recorrente da irrigação em Israel, para o diretor-técnico da Confederação da Agricultura do Brasil (CNA), Bruno Lucchi, também integrante do grupo, o entrave ao crescimento do sistema no Brasil tem mais relação com o cunho político da legislação do que da tecnologia. “Temos a necessidade de outorga, licenciamentos, uma série de burocracias. Há necessidade de mudança no escopo da legislação brasileira no intuito de tornar menos burocrática. Flexibilizar de um ponto de vista responsável, preservando os mananciais, tendo uso sustentável e eficiente da água”, aponta.
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