Com a proximidade do pico da colheita de soja no Centro-Oeste, os fretes rodoviários para o transporte do grão dos principais municípios produtores da região aos terminais ferroviários e portos do país deverão subir cerca de 20% em março em relação a janeiro, conforme projeção do Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz (EsalqLog). Na comparação com março de 2015, a alta tende a alcançar 30%, bem acima da inflação.
Esse incremento dos custos do transporte doméstico do grão, que normalmente ficam a cargo dos produtores, contrasta com a expressiva queda dos fretes marítimos cobrados dos portos brasileiros até os terminais dos países importadores, que em fevereiro atingiram o mais baixo nível em 31 anos. Mas essa curva descendente, que deverá se aprofundar nos próximos meses, beneficia as tradings, não os agricultores.
“Esse aumento dos fretes domésticos parece elevado, mas o diesel ficou 15% mais caro no último ano, os pneus subiram 12% e a mão de obra, 9%. Sem falar na principal diferença em relação a 2015, que foi a implantação de pedágios na rodovia BR-163. São três novas praças em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, que ficam sob nossa responsabilidade”, diz Dirceu Capeleto, presidente da transportadora Bergamasco e diretor da Associação de Transportadores de Carga de Mato Grosso (ATC). “Um caminhão de nove eixos que transporta soja paga quase R$ 2 mil de pedágio para ir de Sorriso a Santos, um custo novo para nós”.
Em janeiro, já houve reajustes superiores a 20% na comparação anual. De Sorriso (MT) ao porto de Santos (SP) – pouco mais de 2 mil quilômetros -, o frete para o transporte de soja passou de R$ 235 para R$ 300 a tonelada. De Sorriso a Rondonópolis, onde fica o principal terminal ferroviário de Mato Grosso, o valor médio do frete passou de R$ 81 para R$ 105 a tonelada. Com esse salto, os preços voltaram aos patamares de 2014, depois de um ano de “trégua” provocado pelo excesso de oferta por parte dos transportadores – o que, inclusive, provocou uma longa greve de caminhoneiros.
“O crédito barato para a compra de caminhões em meados de 2014 inundou o mercado de aventureiros, que não conseguiram se manter no negócio. O cenário mudou, não houve ampliação de frota pelas grandes empresas e a relação entre oferta e demanda ficou mais equilibrada”, afirma o presidente da ATC, Miguel Mendes. Além disso, a maior regularidade no transporte de grãos ao longo do ano, resultado do incremento das exportações de milho safrinha, proporcionou um maior equilíbrio financeiro às empresas.
Samuel da Silva Neto, economista e pesquisador da EsalqLog, concorda que as exportações de milho mato-grossense passaram a manter os caminhoneiros na ativa também nos últimos meses do ano e observa que esse movimento deverá se repetir em 2016. Por isso, diz, os reajustes dos fretes previstos para março são sazonais e os valores deverão recuar depois de maio. Ele também ressalta que, em dólar, os preços estão estáveis. “As tradings e os negociadores terão poder de barganha nos próximos meses, porque manterão os trabalhos de transporte de grãos durante o ano todo”, afirma.
No caso das tradings, qualquer vantagem doméstica nas negociações com produtores e transportadores se somará à corrente a elas favorável nos fretes marítimos, que já estão em queda há alguns anos. “A derrocada do petróleo foi fundamental para reduzir o frete dos navios, em uma tendência que já dura uma década e inicialmente foi motivada pelo aumento do fluxo de embarcações no mundo”, diz Arthur da Assunção Neto, gerente da operadora portuária Alphamar. Em 10 de janeiro, o Baltic Dry Bulk (indicador global de fretes marítimos) atingiu 290 pontos, o menor nível em 31 anos. Hoje, está em 329 pontos.
Rasmus Saltoste, gerente-geral do armador dinamarquês Norden no Brasil, afirma que, em janeiro de 2015, a rota Brasil-China custava US$ 35 a tonelada de soja, valor que hoje não passa de US$ 18, a depender dos portos de origem e de destino e do volume da carga. Há cinco ou seis anos, era US$ 60 por tonelada. Mas ele não reclama. “O valor absoluto caiu, mas os custos também, o que nos mantém com lucratividade. Além disso, nas últimas décadas deixamos de ficar reféns da sazonalidade das safras, porque nossos navios transportam quaisquer granéis – como minério de ferro, que tem um fluxo mais constante durante o ano”. Segundo ele, essa queda foi integralmente repassada às tradings.
Mesmo assim, no front doméstico as tradings continuam pouco dispostas a negociar. “É difícil, porque algumas delas praticamente dominam regiões inteiras e os transportadores são obrigados a aceitar suas ofertas”, afirma Saltoste. Luimar Geme, produtor em Sorriso, engrossa o coro, mas ressalva que, em algumas situações, o problema pode ser minimizado com boas negociações futuras do grão.
“Se travamos um preço para o frete também quando negociamos a soja que ainda será colhida, normalmente nos damos melhor. No pico da colheita, os preços sobem mesmo e quem tem que vender acaba pagando caro pelo frete. Os valores sempre nos são dados pelas tradings e não temos muito como negociar. É aceitar e pronto”, afirma ele, que vendeu em 2015 cerca de 60% da produção que está colhendo agora.
Fonte: Valor Econômico – 02/03/2016
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