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Fim de cotas de leite na UE estimula produção

Mudança vai afetar fazendeiros nos 28 países-membros da União Europeia

Shane O’Loughlin é jovem demais para se lembrar dos tempos em que a União Europeia produzia “lagos” de leite e “montanhas” de manteiga. Ele tinha apenas um ano quando a fazenda de sua família, com 120 hectares em County Kildare, foi colocada em uma camisa de força que acabou restringindo a indústria de laticínios europeia por toda uma geração.

Agora, O’Loughlin e fazendeiros como ele por toda a UE estão perto de se livrar das algemas. O regime de limites, ou de cotas, de produção de leite no bloco econômico criado em 1984 expira hoje e O’Loughlin sente-se como um homem livre. “É como se tivéssemos ficado dirigindo com freio de mão durante todo o tempo”, diz o fazendeiro, em pé, entre as 160 vacas holandesas de sua fazenda perto de Monasterevin, a 60 quilômetros a oeste de Dublin. “Agora, temos a chance de crescer”.

O’Loughlin negocia arrendar 100 hectares adicionais de fazendas vizinhas de criação de cavalos – as pradarias de County Kildare são lar de boa parte dos produtores de cavalos de corrida da Irlanda. Sua meta é aumentar o rebanho para 230 vacas nos próximos seis anos e elevar a produção anual de leite de 832 mil litros – volume permitido sob o regime de cotas da UE – para 1,5 milhão de litros.

O fim do regime de cotas de leite da UE – possivelmente a mudança de política mais importante no regime agrícola do bloco econômico em uma geração – vai afetar fazendeiros nos 28 países-membros. Prevê-se que os maiores beneficiados sejam os produtores de leite de maior produtividade e valor, em países como a Irlanda, Holanda e Dinamarca. Os menos competitivos em países como Romênia e Bulgária podem sofrer.

“Esta é a mudança de política mais importante para a Irlanda rural em 30 anos”, diz Simon Coveney, ministro da Agricultura da Irlanda. Há muito, as cotas de produção de leite geravam polêmicas – uma política da União Europeia muitas vezes associada a imagens que provocavam indignação, como a de fazendeiros jogando leite literalmente pelo ralo para evitar penalidades pelo excesso de produção.

As cotas foram criadas para combater a superprodução de leite que nos anos 1970 resultou em um generoso sistema de preços garantidos e exportações subsidiadas – políticas que permitiram a notória “montanha de manteiga” europeia, que em seu pico no início dos anos 1980 chegou a 1 milhão de toneladas.

Ainda assim, autoridades da UE dizem que as cotas cumpriram seu objetivo. “Não temos mais montanhas de manteiga e lagos de leite e podemos exportar o que produzimos”, afirma Phil Hogan, comissário de Agricultura da União Europeia.

As mudanças estruturais impostas pelas cotas foram drásticas – em especial em um mercado pequeno como o da Irlanda, onde as fazendas de laticínios fazem parte da autoestima nacional. O número de fazendas irlandesas de laticínios caiu de 65 mil em 1984 para as atuais 18 mil.

Muitos dos que deixaram a atividade eram pequenos produtores; as cotas tendiam a favorecer produtores de maior porte. Outros abandonaram o negócio durante os anos da onda de expansão do Tigre Celta, para aceitar empregos no então ascendente mercado de construção, antes de a economia irlandesa desabar e ter de ser resgatada pela troica internacional de credores.

Alguns desses ex-fazendeiros vêm sendo atraídos de volta ao setor pelo fim das restrições e das penalidades financeiras sobre o excesso de produção de leite. As multas impostas pelo regime de cotas são altas. O’Loughlin recebe € 0,305 por litro em sua produção anual de 832 mil litros, mas é descontado em € 0,286 por litro produzido acima dessa cota. A partir de quarta-feira, ele poderá produzir o quanto quiser.

O objetivo da Irlanda é repetir o sucesso da Nova Zelândia, um dos maiores produtores mundiais de laticínios. Em 1984, cada país produzia cerca de 5 bilhões de litros. Enquanto a Irlanda continua nesse patamar, hoje a Nova Zelândia produz cerca de 18,5 bilhões de litros ao ano – e exporta grande parte disso, na forma de leite em pó e fórmulas para bebês, a mercados em ascensão, como o da China.

Coveney calcula que a Irlanda pode até dobrar sua produção de leite com o fim do regime de cotas. “Acredito que vamos ver a Irlanda como o produtor de laticínios de maior crescimento no mundo nos próximos cinco a dez anos”, afirma ele. Uma pesquisa realizada pelo Allied Irish Banks mostra que quase 70% dos produtores irlandeses pretendem elevar sua produção de leite.

Resta saber se o mundo quer mais leite irlandês. PT Joseph, chefe de compras da Kuwaiti-Danish Dairy Co., uma empresa de processamento de laticínios no Golfo Pérsico, observa que a produção da Irlanda é pequena em termos mundiais e será facilmente absorvida. “A demanda por leite está subindo a toda hora e gostaríamos de comprar mais leite irlandês”, diz Joseph, que estava em Dublin para encontro com produtores de leite na semana passada.

O’Loughlin acha que os produtores de leite irlandeses estão à altura do desafio. “A Nova Zelândia é a líder mundial, enquanto nós ficamos parados. Esta é nossa chance de nos equiparar”.

Fonte: Financial Times/Valor Econômico

André Amorim

Jornalista desde 2002 com passagem por blog, jornal impresso, revistas, e assessoria política e institucional. Desde 2013 acompanhando de perto o agronegócio paranaense, mais recentemente como host habitual do podcast Boletim no Rádio.

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