O médico veterinário Sebastião Guedes conhece bem as variáveis relacionadas ao controle da febre aftosa. Ele já foi diretor do Sindicato Nacional das Indústrias de Produtos para Saúde Animal (Sindan), que representa a indústria de vacinação. Também já comandou o Conselho Nacional da Pecuária de Corte (CNPC), que visa fomentar a cadeia produtiva bovina dentro do Brasil. Agora, coordena o Grupo Interamericano para Erradicação da Febre Aftosa (GIEFA), que visa eliminar a doença da América do Sul. Ele avalia que o Paraná toma uma decisão acertada ao articular o fim da imunização dos rebanhos, pois o risco é controlado e o ganho econômico, certeiro. Confira na entrevista abaixo as visões do especialista sobre o tema.
Como a suspensão da vacina da aftosa é vista internacionalmente?
É uma tendência mundial, pois permite acesso a novos mercados e com maior valor agregado. A barreira externa criada pela aftosa é basicamente uma barreira econômica. Ao se tornar uma área livre sem vacinação, pode-se acessar mercados mais importantes como Estados Unidos, Japão, Cingapura e Coreia de Sul. Os países exigem a criação de áreas livres porque a vacinação indica que ainda há circulação do vírus. Os produtos também passam a valer mais. Por exemplo: o Japão paga US$ 20 mil pela tonelada de língua bovina, mas exige que os animais não sejam vacinados. A mesma língua, de gado vacinado, é vendida a US$ 4 mil ou US$ 5 mil, no máximo. Acho que, quando Paraná obtiver o reconhecimento como área livre sem vacinação, será uma questão de tempo para que o Rio Grande do Sul e São Paulo também busquem o mesmo status.
“O mais importante é a estrutura de pessoal e a formação barreiras entre estados e países. Quando ocorreram focos da doença no Rio Grande do Sul, em 2001, houve muita pressão para que Santa Catarina voltasse a vacinar…”
Qual a situação das áreas livres sem vacinação no continente americano?
Na América do Sul temos o Chile 100% livre, o Peru com 98% da área sem vacinação, além de parte da Colômbia e da Bolívia, o Sul da Argentina, as Guianas e o estado de Santa Catarina, no Brasil. Na América Central nunca houve casos e na América do Norte também não se faz mais vacinação.
Como está a circulação do vírus na América do Sul?
O Centro Pan-americano de Febre Aftosa (Panaftosa) faz levantamentos técnicos e não detectou indícios de circulação viral no continente. A grande incógnita é a Venezuela. Ela não revela a existência focos mas existe uma suspeita grande de que a doença esteja no país. Mas isso só é preocupante para o Brasil na fronteira com Roraima. Temos que reforçar a defesa agropecuária lá. Além disso não vem gado da Venezuela para o Brasil, reduzindo drasticamente o risco. Nos demais países o controle é eficiente. O Equador reduziu para zero o número de focos em quatro anos. A Colômbia tem um programa de controle bem administrado. O Paraguai melhorou muito no controle e tem apoiado intensamente outros países, alocando técnicos e disponibilizado recursos. O Uruguai segue vacinando. De modo geral, a situação em relação aos vizinhos do Brasil é tranquila.
Há riscos de reincidência da doença nas áreas livres?
Cinco anos depois de obter o status de área livre sem vacinação o Chile voltou a registrar focos da doença, mas que foram rapidamente contornados. Desde então, há 30 anos, não há mais casos da doença no país. É importante destacar que hoje existem elementos que aumentam muito a segurança para tirar a vacinação. Quando o Chile suspendeu, por exemplo, não se fazia a sorologia [coleta de amostras de sangue] e nem controle da circulação viral. Atualmente há mais entrosamento e troca de informação entre os países. Basta seguir os pré-requisitos básicos: não ter circulação viral, consolidar uma estrutura de defesa agropecuária adequada ao tamanho da área do rebanho, ter os conceitos de vigilância passiva, ou seja, que o produtor denuncie possíveis casos. Mas o mais importante é a estrutura de pessoal e a formação barreiras entre estados e países. Quando ocorreram focos da doença no Rio Grande do Sul, em 2001, houve muita pressão para que Santa Catarina voltasse a vacinar, mas o estado manteve sua posição, confiando no sistema de defesa, e acabou não registrando nenhum foco.
O reconhecimento de área livre sem vacinação pode causar falta de carne ou de vacina, em caso de reincidência?
É uma questão de adaptação. A legislação da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) prevê que animais das áreas com vacinação possam entrar nas áreas sem vacinação, desde que seja para abate. Então não há risco de déficit nos frigoríficos. Sobre as vacinas, o Brasil tem um parque industrial que pode produzir 600 milhões de doses por ano, mas só consome cerca de 330 milhões. Se ocorrer alguma fatalidade terá vacinas tranquilamente.
A suspensão da vacinação em bloco é mais eficiente? Qual sua posição?
No caso do Brasil, a aprovação por estado é mais prática. Há um componente político forte, já que as prioridades dos governos são diferentes, o repasse de verbas federais também muda. Acho que o Paraná está no caminho certo.
Fonte: Gazeta do Povo – 19/05/2015
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