Em um ano turbulento como 2020, com clima adverso e a pandemia, o feijão experimentou alegrias no mercado e tristezas no campo. Puxado pelo aquecimento no consumo doméstico, o preço da leguminosa atingiu patamares expressivos, que teriam capitalizado os produtores se a estiagem não tivesse jogado para baixo a produtividade das lavouras.
No Paraná, maior produtor de feijão preto do Brasil, o movimento dos preços e as mudanças climáticas são acompanhados com expectativa por produtores. Ao longo das três safras 2019/20, o Estado produziu 587,1 mil toneladas do grão, em uma área de 379,3 mil hectares, resultando numa média de 25 sacas (de 60 quilos) por hectare, incluindo o preto e o carioca.
Apesar de três safras por ano, apenas a primeira (safra das águas), semeada entre agosto e dezembro, e a segunda (safra seca), plantada entre janeiro e março, têm relevância no Estado. De acordo com o engenheiro agrônomo Carlos Alberto Salvador, do Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento (Seab), a primeira safra na temporada 2019/20 foi boa, superando o potencial estimado de produção em 3%. Porém, o avanço da estiagem prejudicou o desenvolvimento da segunda, que apresentou quebra de 40% em relação ao potencial produtivo. Desta forma, a produção total paranaense ficou 22% abaixo da expectativa.
Somada a questão climática, que reduziu a oferta do grão, a pandemia do novo coronavírus imprimiu nova dinâmica ao consumo, principalmente nos primeiros meses do isolamento social (março e abril de 2020). O mercado observou um apetite maior por parte dos consumidores, muitos preocupados em estocar o produto.
Com menor oferta e maior demanda, o feijão experimentou alta significativa. Segundo dados do Deral, no primeiro semestre de 2020, agricultores paranaenses chegaram a receber, entre abril e maio, R$ 304,65 a saca para o feijão tipo cores (carioquinha) e até R$ 221,75 para tipo preto entre maio e junho.
O movimento se repetiu no varejo, com a escalada de preços do feijão nos supermercados. O pacote de um quilo do feijão preto teve seu pico em dezembro de 2020, chegando a R$ 7,04, enquanto o carioca bateu em R$ 8,13 em maio daquele ano. Para efeito de comparação, em fevereiro de 2020, pouco antes da pandemia explodir no Brasil, o quilo do feijão carioca no supermercado custava R$ 5,41 e o preto R$ 4,31.
Na opinião do presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe), Marcelo Lüders, os preços devem se manter em patamares altos neste ano. “A tendência é que o preço continue forte. Podemos ter variações com o mercado mais positivo, mas a média de preço vai ser para cima”, avalia.
Segundo Lüders, não só no Brasil que o grão está valorizado. “Os empacotadores, estavam procurando opções para importar feijão preto de fora do Mercosul. Achavam que R$ 300 a saca estava caro. Fomos atrás de preço nos Estados Unidos e México e descobrimos que o feijão mais barato do mundo hoje é o brasileiro”, afirma. Ano passado, o Brasil importou 113 mil toneladas de feijão, sendo 94 mil do preto.
Na opinião do dirigente do Ibrafe, a demanda mundial por feijão deve continuar aquecida por três motivos. “O primeiro é que a soja e o milho tomam espaço do feijão em outros países. Além disso, no que diz respeito à pandemia, vemos um consumo maior de pulses [leguminosas como o feijão, lentilha, grão de bico], pois é a fonte de proteína vegetal com o melhor preço. O terceiro motivo é o movimento mundial pela saúde. As pessoas querem saber de onde vem o seu alimento, como foi produzido”, enumera. “Como temos tido preços recordes, nunca vistos antes em soja e milho, é possível que vejamos recordes de preço no feijão também”, afirma. Ainda, segundo Lüders, a entrada do feijão paranaense no mercado neste momento não foi suficiente para derrubar o preço.
Chuva é a preocupação para safra atual
Atualmente, o Paraná passa por um momento de grande expectativa com a colheita da primeira e plantio da segunda safra 2020/21. Para este ciclo está prevista uma área de 150,4 mil hectares na primeira safra, 1% menor que a anterior. De acordo com Boletim do Deral, de 5 de fevereiro, 72% do total plantado nesta etapa já haviam sido colhidos. A expectativa é uma produção em torno de 298,4 mil toneladas, 6% menor que a safra anterior.
A segunda safra (seca), deverá ocupar uma área de 237,3 mil hectares, 6% superior à anterior. Segundo dados do Deral, a semeadura já estaria em 16%. A expectativa é de uma produção da ordem de 468,7 mil toneladas, se o clima ajudar. Esse resultado é 74% superior ao registrado na safra seca de 2019/20, quando houve quebra significativa na produção.
Diferente da temporada anterior, marcada pela estiagem, desta vez é a chuva que pode trazer dor de cabeça aos agricultores. “Terminei de colher um dia antes da chuvarada, do contrário, perderia tudo”, conta o produtor Edimilson Roberto Rickli, que também é presidente do Sindicato Rural de Prudentópolis, na região dos Campos Gerais. Se demorasse mais um pouco, além do risco de brotamento e doenças, também seria mais complicado entrar com as máquinas na lavoura. O mesmo vale para o plantio da safra seca, sem trégua de São Pedro, a semeadura terá de esperar.
No manejo de Rickli, o feijão é plantado um pouco tarde. No ano passado, o grão foi semeado no final de setembro. “Tenho optado por plantar um trigo um pouco mais precoce e depois o feijão mais tarde e depois entro na área com milho safrinha” conta o produtor, que já aposta nessa rotação de culturas há quatro anos. Ele e a família plantam cerca de 800 hectares de feijão, 90% do tipo preto e o restante carioca.
Com tudo planejado, Rickli não tem planos para destinar a área do feijão para outras culturas, como soja e milho, que vem encontrando preços excelentes nas bolsas internacionais. Mas isso pode mudar, dependendo das condições de produção. “Mesmo aqui em Prudentópolis, se baixar o preço [do feijão] e não houver nenhum estímulo, o povo vai para a soja, que é mais seguro”, afirma.
No caso do feijão, que não é comercializado em bolsa internacional, os produtores amargam apenas o “lado ruim” da alta do dólar, pois ocorre o encarecimento dos insumos, boa parte importados. De outro lado, a alta na moeda americana não aumenta o preço de venda do feijão.
Neste ano não foi identificada uma migração significativa da área destinada ao feijão para outras culturas. Segundo Carlos Alberto Salvador, do Deral, a previsão inicial da área para o feijão não sofreu muitas alterações. Porém, uma mudança que se observa ao longo dos anos é a força da segunda safra em relação à primeira.
“Antes, a primeira [safra] era maior. Com a valorização da soja, muitos migraram”, explica. “Se comparar a atual com a de 2015, vai ver que a área destinada ao feijão é 43% menor. O pessoal está indo para a soja”, observa Marcelo Lüders, do Ibrafe.
Comentar