A agricultura desempenha um importante papel para a reorganização de espaços urbanos dentro de um sistema mais sustentável. A integração das atividades agrícolas com o ecossistema das cidades reforça a ideia de que o local onde grande parte das pessoas mora não deve ser, necessariamente, um produto constituído por ambientes construídos. A incorporação da prática na agenda pública é uma demonstração de que a produção de alimentos em espaços urbanos pode atender a interesses coletivos e contribuir para a reflexão sobre uma “cidade do futuro”.
Em 2018, a Câmara de Vereadores de Curitiba aprovou a Lei Municipal que oficializou a ocupação de espaços públicos e privados para o desenvolvimento de atividades de agricultura urbana. Desde então, diversas práticas – hoje, são 87 hortas comunitárias assistidas pela prefeitura – vêm dando um novo significado a estes espaços, os chamados vazios urbanos, antes sem uso contínuo ou abandonados. Os resultados positivos mostraram à administração municipal que a iniciativa poderia crescer.
Tanto que, no dia 24 de junho, a capital paranaense inaugurou a primeira Fazenda Urbana, iniciativa inédita também no Brasil. O projeto, idealizado e coordenado pela Secretaria Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (SMSAN), vai abrigar um complexo produtivo espalhado em uma área de 4.435 m² no bairro Cajuru. No local, onde antes era o estacionamento do Centro de Distribuição do Mercado Regional do Cajuru, haverá composteiras, estufas, hortas comunitárias, restaurante escola, banco de alimentos e uma extensão do projeto Jardins de Mel, com instalação de colmeias de abelhas sem ferrão. Ainda, o espaço vai contar com uma infraestrutura para a realização de eventos e treinamentos.
“Esse projeto vai permitir que o meio urbano se aproxime do rural e também que se entenda como funciona o setor, que não para nenhum dia da semana. Além disso, o SENAR-PR será um importante parceiro na formação dos técnicos e outros públicos envolvidos com a Fazenda Urbana”, destaca Ágide Meneguette, presidente do Sistema FAEP/SENAR-PR.
Segundo o secretário municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, Luiz Dâmaso Gusi, o espaço vai funcionar como uma vitrine para diferentes formas de se produzir no meio urbano. “A visão deste projeto é de segurança alimentar. A partir disso, vamos criar conexões, algumas destas que estão em cima das dores dos grandes centros, a exemplo do desperdício de alimentos e práticas de sustentabilidade. Cerca de 30% a 40% do que se produz atualmente são desperdiçados, devido à transporte e embalagem inadequados, principalmente frutas e hortaliças. A Fazenda Urbana será uma sala de aula para conscientização do cidadão”, explica Gusi.
O projeto recebeu um investimento de R$ 3 milhões, com recursos do Fundo de Abastecimento Alimentar do município. O espaço será comunitário e vai atender escolas, universidades e outros interessados por meio de parcerias. A proposta, de acordo com a Secretaria, é trabalhar com um processo de autogestão, em que a comunidade se aproprie do espaço para executar suas atividades, desde que haja uma contribuição para a sociedade e não possua fins lucrativos.
Conexão sustentável
A Fazenda Urbana será um espaço para a educação agroecológica, fortalecendo a segurança alimentar e incentivando práticas sustentáveis para uma alimentação mais saudável. “Segurança alimentar é uma política pública transversal que envolve todas as áreas da gestão pública. Assim, nós pretendemos que a Fazenda Urbana desperte esse olhar e ajude a transformar o espaço urbano em um local onde a comunidade possa produzir, mantendo a qualidade de vida e construindo uma cidade mais resiliente”, destaca o diretor do Departamento de Estratégias de Segurança Alimentar e Nutricional da SMSAN, Felipe Thiago de Jesus.
No espaço, serão produzidos mais de 150 tipos de hortaliças, frutas e verduras de inverno e verão, reunindo diversas técnicas de plantio sustentável, como plantio elevado, aquaponia, hidroponia e cultivo protegido. O local também terá cultivo de Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs), como a ora-pro-nóbis e a taioba, ricas em diversos nutrientes.
A manutenção da Fazenda Urbana de Curitiba será inteiramente pautada na sustentabilidade, com energia elétrica produzida a partir de fontes eólica e solar e sistema de captação para reaproveitamento da água das chuvas. Nas composteiras, os resíduos orgânicos serão transformados em fertilizantes e materiais recicláveis serão utilizados para a construção de estruturas, como troncos de madeira, canos de PVC e garrafas PET para a sustentação dos canteiros das hortas.
Com a reciclagem de recursos materiais, além da preservação ambiental, a estrutura vai permitir maior eficiência na alocação dos recursos financeiros da administração municipal e auxiliar a comunidade na economia doméstica. Todos os alimentos produzidos no complexo serão utilizados para aulas no restaurante escola ou distribuídos para entidades sociais, como o programa Mesa Solidária, que atende pessoas em situação de rua.
SENAR-PR será parceiro por meio de cursos
Com um trabalho colaborativo, a expectativa é que a Fazenda Urbana se torne um polo de ensino da agricultura urbana. A estrutura do espaço será disponibilizada para a realização de cursos, treinamentos e outras atividades. Para isso, será organizada uma rede de agricultura urbana do município e a programação será posteriormente disponibilizada para o público. O espaço tem capacidade de receber até 200 pessoas por dia.
“O objetivo é que a Fazenda Urbana seja um ponto multiplicador de técnicas de agricultura urbana, que as pessoas possam tanto oferecer quanto realizar cursos, oficinas, atividades teóricas e práticas, desde o plantio ao beneficiamento dos alimentos. Com a criação da rede, vamos mapear e incluir todas as iniciativas de agricultura urbana da cidade, para que a gente possa abranger não só aquelas que a prefeitura assiste, como também as que a população, os clubes, os condomínios também fazem, e promover, inclusive, a economia criativa”, define Felipe Thiago de Jesus, da SMSAN.
A prefeitura vai disponibilizar uma programação básica inicial, mas a ideia é que a comunidade conduza a fazenda conforme seus interesses e atividades. No momento, a Secretaria Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional já possui algumas parcerias firmadas, como a Secretaria Municipal de Educação (SME), para atender as escolas e utilizar o espaço para aulas práticas, e o SENAR-PR, para oferta de cursos tanto para os técnicos da prefeitura como para o público em geral. Um dos interesses da SMSAN são parcerias com startups para trabalhar inovação e tecnologia com foco na agricultura urbana.
“Este é um projeto para o despertar do urbano para entender o rural, para estabelecer conexão com a terra e estimular a população a comer o que chamamos de ‘comida de verdade’. A conexão dessas pessoas com o alimento, na maioria das vezes, é por uma gôndola de supermercado, e, assim, nos distanciamos da arte de plantar e colher o próprio alimento. O SENAR-PR é um parceiro muito estratégico nesse processo educativo”, analisa o secretário Luiz Dâmaso Gusi.
Em março, antes do início da pandemia do novo coronavírus, foi realizado o curso de “Agricultura Orgânica” do SENAR-PR com os técnicos da SMSAN. Para este ano, já estavam previstos, pelo menos, uma capacitação por mês, mas devido à pandemia, todos os cursos em formato presencial foram suspensos por tempo indeterminado.
Segundo o supervisor da Regional de Curitiba do SENAR-PR, Alexandre Marra, após a normalização da situação perante às autoridades de saúde, a programação de cursos deve continuar. “Há um potencial gigante para ser explorado e para o SENAR-PR contribuir para tornar a Fazenda Urbana uma referência nacional”, salienta Marra. O secretário também apontou o interesse de, no momento, disponibilizar essas capacitações no formato Educação a Distância (EaD), porém, ainda não há confirmação.
Além da produção agrícola, no restaurante escola, o público terá a oportunidade de aprender sobre o preparo destes alimentos, com participação, inclusive, de chefs de cozinha de Curitiba. “A fazenda vai permitir ir além da vivência de plantar e colher, mas também de transformar. Queremos estimular a criatividade para o preparo das refeições, utilizando diferentes tipos de vegetais e hortaliças e mostrando o aproveitamento integral dos alimentos. É uma proposta de mudança dos hábitos alimentares”, conclui Gusi.
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