O Paraná é uma referência quando o assunto é sanidade animal, tanto que está prestes a obter o reconhecimento internacional como área livre de febre aftosa sem vacinação pela Organização Mundial da Saúda Animal (OIE). Assim como se tornou, nas últimas décadas, exemplo na erradicação da febre aftosa, com a substituição da vacina obrigatória pela vigilância efetiva, o Estado está dando passos decisivos para chegar à erradicação de outras duas doenças: a brucelose e a tuberculose bovinas. Inclusive, ambas, que podem ser transmitidas a seres humanos, causam prejuízos milionários ao agronegócio paranaense anualmente.
De acordo com dados da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar), que integra o chamado serviço veterinário oficial, cerca 2 mil animais acometidos pelas duas doenças são sacrificados todos os anos. Como não há cura para nenhuma delas, a única forma de controle ocorre pelo abate sanitário ou pela vacina para brucelose, obrigatória para fêmeas. Considerando a cotação da arroba a R$ 210 e um animal de 13,6 arrobas, o prejuízo passa dos R$ 5,7 milhões. Os produtores rurais são indenizados apenas pelos bovinos com tuberculose, já que para brucelose há possibilidade de imunização, esta com grande aderência por parte dos produtores rurais (leia mais na página ao lado).
Só que os prejuízos vão além, já que os reflexos no sistema produtivo são sentidos no curto, médio e longo prazos. Logo após o abate dos animais doentes, como explica Guilherme Souza Dias, do Departamento Técnico e Econômico (DTE) da FAEP, o produtor precisa repor o seu rebanho. “Nesse sentido, o prejuízo é ainda maior para a produção leiteira, porque vai um tempo até o animal de reposição entrar em lactação e gerar resultados à propriedade. Sem contar com todo o desgaste emocional do produtor, de ver seus animais serem eliminados”, pontua Souza Dias.
Falta de sintomas
Uma das principais dificuldades para se combater as doenças é que os animais infectados, na maioria das vezes, não têm sintomas aparentes. “Muitas vezes, o produtor nem sabe que o animal está com a doença, que está se espalhando pelo rebanho. É uma doença endêmica da América do Sul. Estamos buscando controlar da melhor forma possível e, na região Sul podemos dizer que temos uma situação boa, embora estejamos sem grandes avanços nas últimas décadas”, analisa o gerente de saúde animal da Adapar, Rafael Gonçalves Dias.
Avançar nesse aspecto, na avaliação do gerente na Adapar, é enviar um sinal aos mercados que pagam melhor pelos produtos de áreas sem brucelose e tuberculose. “Na Rússia, por exemplo, há uma prioridade para a carne de lugares livres de brucelose e tuberculose. É importante traçarmos uma meta para, em 10 anos, quando fizermos um novo inquérito epidemiológico (ver mais na página 17), o Paraná estar numa situação melhor do que agora. Por mais que tenhamos uma prevalência baixa, continuamos como estávamos antes e não chegamos numa questão de discutir a erradicação, como já conseguimos fazer com a aftosa”, ressalta o gerente na Adapar.
Inquérito epidemiológico
O inquérito epidemiológico mencionado foi feito pela Adapar, em 2018, sobre tuberculose e brucelose bovinas no Paraná. A última vez em que esse levantamento tinha sido feito foi em 2002, para a brucelose, e 2005, para a tuberculose. Esse trabalho é uma espécie de investigação, feita periodicamente por meio de coleta de material em propriedades rurais e análise em laboratório. Com os resultados desse levantamento é possível conhecer como a doença está distribuída e, assim, pensar em estratégias de controle eficazes para os agentes causadores. No caso do Paraná, a pesquisa foi feita a partir da base de dados cadastrais da Adapar, que, em 2018, tinha 167,2 mil propriedades rurais com bovinos. O Estado foi dividido em sete estratos, com abrangência de todas as regiões. Em cada um deles, foram selecionadas 250 propriedades/rebanhos para terem amostras coletadas. Ao todo, foram examinadas 11,5 mil cabeças para brucelose e 17,2 mil para tuberculose, seguindo um critério de distribuição geográfica.
Os resultados mostraram que, na última década, a eficiência no combate às enfermidades tem ficado relativamente estável (ver mais na página 17). “Há muito tempo estamos no mesmo patamar, no caso, patinando. Cabe agora, nesse novo cenário de livre de aftosa sem vacinação, fomentarmos ainda mais a responsabilidade ao setor e uma motivação para avançarmos na questão sanitária. Assim, vamos ter condições de acessar novos mercados e vender nossos produtos com uma ‘grife’ de sanidade em primeiro lugar”, prevê Ronei Volpi, presidente da Comissão Técnica de Bovinocultura de Leite da FAEP e da Câmara Setorial do Leite e Derivados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e Comissão Nacional de Pecuária de Leite da CNA.
Grupo gestor
Uma das principais novidades, criada para dar mais agilidade e envolver o setor produtivo no debate de estratégia de combate às doenças, é a criação do chamado Grupo Gestor do Plano Estadual de Controle e Erradicação. Inicialmente, deve ter a participação, pelo poder público, da Adapar, Instituto de Desenvolvimento Rural Iapar-Emater (IDR-PR) e Mapa; e da iniciativa privada, FAEP, Ocepar, Associação Paranaense de Criadores de Bovinos da Raça Holandesa (APCBRH), Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados no Estado do Paraná (Sindicarnes), Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Paraná (Sindileite-PR) e Fundo de Desenvolvimento da Pecuária do Paraná (Fundepec-PR). A portaria com a criação oficial deve sair nas próximas semanas.
Para o diretor-presidente da Adapar, Otamir Cesar Martins, essa cooperação entre o governo e as instituições privadas demonstra um caminho concreto para melhorar os índices de controle das duas doenças.
“Temos que envolver todos os elos da cadeia produtiva, desde as indústrias até as entidades representativas. Essa abertura para o debate sobre o assunto é fundamental, pois cria uma nova perspectiva, lembrando que o produtor tem que ser também um ator efetivo nesse processo”, avalia Martins, logo na primeira reunião do grupo, no dia 3 de setembro.
Cursos do SENAR-PR
Tema transversal nos cursos do SENAR-PR, a sanidade é um assunto recorrente em dezenas de capacitações da entidade. “Boas Práticas na Propriedade Leiteira”, “Manejo e Ordenha” e “Manejo de Bovinos de Corte” são algumas das formações à disposição dos produtores que se interessam pelo tema. Utilize o QR Code abaixo para acessar a página de cursos do SENAR-PR.
Cuidados não devem ser só com animais
O controle da tuberculose e da brucelose também exige precaução com os seres humanos. Assim como os animais podem passar as doenças para os trabalhadores, também pode ocorrer o contrário. Inclusive, os profissionais que trabalham com contato com os animais (veterinários, ordenadores, funcionários de abatedouros) são considerados grupo de risco.
É preciso tomar uma série de cuidados no manejo com animais e também ficar atento a sintomas, como tosse, febre e dor de cabeça. Quem tiver qualquer um dos sinais não deve trabalhar e, imediatamente, procurar um médico.
Outro ponto de atenção é com a vacinação do rebanho. O procedimento é obrigatório para fêmeas. Na hora de comprar um animal de outros rebanhos, é prudente também que o produtor se certifique de que os bovinos não estão infectados, o que pode levar os agentes causadores de brucelose e tuberculose para dentro da propriedade.
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