Sistema FAEP

Estímulo à navegação entre portos nacionais deve reduzir custos do frete

Transporte de cargas entre terminais brasileiros poderia reduzir entre 30% e 40% os preços do frete rodoviário, contribuindo para desafogar estradas

Em janeiro, o governo federal sancionou o Projeto de Lei 4.199/2020, que institui o Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem, também conhecido como “BR do Mar”. A medida foi comemorada pelo setor produtivo, que vislumbra uma oportunidade de reduzir os custos de transporte, com o uso dessa modalidade logística, até então limitada por questões regulatórias.

A navegação de cabotagem é feita pela costa, entre os portos de um mesmo país – difere da navegação de longo curso, realizada entre terminais de diferentes nações. Em 2021, de acordo com a Agência Nacional de Transporte Aquaviário (Antaq), a navegação de cabotagem movimentou 288,3 milhões de toneladas, em sua maioria petróleo e derivados. Até o momento, os produtos do agronegócio praticamente não utilizam esse sistema. Mas esse cenário pode mudar em breve. Mesmo sem nenhum estudo aprofundado sobre o impacto dessa medida nas contas da agropecuária nacional, a perspectiva do setor é de economia e competitividade com o incremento neste modal aquaviário.

“A expectativa do setor produtivo do Paraná é grande. Hoje, a infraestrutura logística penaliza o produtor rural, impõe limitações ao crescimento do setor e encarece o alimento para o consumidor. Esperamos que essa medida traga mais competitividade”, afirma o presidente do Sistema FAEP/SENAR-PR, Ágide Meneguette.

“Um exemplo de cadeia que poderia se beneficiar com a navegação de cabotagem é a pecuária [ovinos e caprinos] da região do Nordeste, que depende de milho de outros Estados, como Mato Grosso e Goiás, como insumos à produção animal. O trajeto por caminhão é longo, o que resulta no aumento do tempo e de custo de transporte, inviabilizando o preço do grão. Estimamos uma redução de 30% a 40% no custo de frete – desse mesmo trajeto. Isto é, partindo do Mato Grosso e integrando os modos rodoviários [BR-163] e aquaviários [rio Tapajós e cabotagem] até o litoral nordestino”, avalia a assessora técnica da Comissão Nacional de Logística e Infra- estrutura da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Elisangela Pereira Lopes.

“O transporte aquaviário demanda mais tempo se comparado ao caminhão, mas para commodities, que não são produtos perecíveis, isso não deve ser considerado um problema. Por exemplo, uma embarcação de 6 mil toneladas de grãos tem a capacidade de retirar 150 caminhões das estradas. O custo [do transporte rodoviário] além de elevado para longas distâncias, emite maior volume de gases poluentes, ocasiona acidentes e depende de gastos públicos para corrigir os desgastes ocasionados pelo excesso de veículos nas estradas”, explica Elisangela.

De acordo com uma simulação do Observatório Nacional de Transporte e Logística (ONTL), para transportar um volume de 777,3 mil toneladas entre o Porto de Suape, em Pernambuco, e o Porto de Santos, no Estado de São Paulo, são necessários 13 navios Panamax com capacidade de 60 mil toneladas cada um, a um custo médio de R$ 88,7 milhões. Se esta mesma carga for transportada por caminhões por via rodoviária, seriam necessários 20.456 caminhões bitrem, com capacidade de 38 toneladas cada um e o custo saltaria para mais de R$ 384 milhões.

“Sem dúvida, o trigo produzido na região Sul também poderia ser beneficiado [pela navegação de cabotagem]. O cereal que vem de Argentina usando a navegação de longo curso costuma ser mais barato que o grão saindo do Paraná de caminhão e chegando no Nordeste”, complementa a assessora técnica da CNA.

Na avaliação do gerente de Assuntos Estratégicos da Fede- ração das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), João Arthur Mohr, a cadeia de proteína animal deve ser uma das principais beneficiadas pela medida. Considerando que o Paraná é o maior produtor e exportador de frango, tem o segundo maior rebanho de suínos do país e é o segundo principal produtor nacional de leite, isso terá um grande impacto. “A navegação de cabotagem é muito focada na navegação de contêineres, então a parte de alimentos em si deve ser beneficiada, além da proteína animal, os produtos de proteína vegetal das nossas agroindústrias e também peças e veículos automotivos”, elenca.

Vetos presidenciais

O Programa “BR do Mar” possui quatro eixos temáticos: frota, indústria naval, custos e porto, com iniciativas específicas voltadas a cada um destes pontos. Em linhas gerais, a contribuição é a criação da base legal que permite o aumento da oferta desse serviço, o incentivo à concorrência e à competitividade da navegação de cabotagem.

“Antes dessa lei não havia interesse das empresas de navegação em fazer esse trabalho de cabotagem por conta da série de restrições, como apenas navios de bandeira nacional e ter tripulação brasileira, entre outras. A BR do Mar vai contribuir muito para que os investidores se voltem para esse tipo de navegação”, observa o consultor de logística do Sistema FAEP/SENAR-PR, Nilson Hanke Camargo. “É mais um passo a favor da redução do custo logístico brasileiro. Na prática isso vai fazer com que tenhamos uma oferta maior de navios e de empresas, com isso teremos maior competição e menores preços”, complementa Mohr, da Fiep.

Na opinião de Elisangela, o projeto sancionado pelo presidente da república Jair Bolsonaro, em janeiro deste ano, inova com diversos benefícios ao setor de navegação de cabotagem. Porém, o texto final ainda carece de ajustes importantes. “Há duas questões que não mereciam veto: a redução da alíquota do Adicional de Fretes para Renovação da Marinha Mercante [AFRMM] e a renovação do Reporto, programa que isenta de tributos, como IPI, PIS/Cofins, peças para modernização de portos”, afirmou.

Segundo Elisangela, em 2021, o AFRMM teve arrecadação de R$ 13,5 bilhões, no entanto, somente R$ 214 milhões (1,6%) foram destinados ao financiamento de projetos de embarcações, 37% a menos que no ano anterior (R$ 340 milhões). “A proposta inicial era reduzir a alíquota para 8%, para fomentar a instalação de embarcações no transporte hidroviário”, complementa.

Porém o governo manteve as alíquotas anteriores de 25% para navegação de longo curso, 10% para navegação de cabotagem e 40% para navegação fluvial e lacustre. “A redução da cobrança do AFRMM resultaria na desoneração da importação de fertilizantes, reduzindo os custos de produção e beneficiando, tanto o agro brasileiro, como a sociedade, ao se colocar na mesa alimentos mais baratos”, observa a assessora técnica da CNA.

Outro veto presidencial tirou do projeto a prorrogação do Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária (Reporto), regime aduaneiro especial que permite a importação de máquinas, equipamentos, peças de reposição e outros bens com suspensão do paga- mento dos tributos federais para utilização exclusiva na modernização e ampliação da estrutura portuária.

Multimodal

O modal rodoviário predomina no Brasil com 65% do transporte de cargas. Apesar de ser recomendado para pequenas distâncias, a realidade é que caminhões percorrem grandes trajetos, a um alto custo, onerando tanto o setor produtivo quanto o consumidor. Com a possibilidade da navegação de cabotagem, o transporte por rodovias atuará de forma complementar, levando as mercadorias da sua origem até o porto e do porto até seu destino final. Esse frete “multimodal” não prejudicaria a classe de caminhoneiros, pois as curtas distâncias são melhores remuneradas no frete rodoviário.

Segundo Elisangela, da CNA, o próximo passo para consolidação da BR do Mar é a regulamentação do projeto. “Será necessário, por exemplo, definir regras para habilitação de empresas prestadoras do serviço nas modalidades previstas na lei. Esse regulamento é essencial para colocar em prática o previsto na lei. Há um longo caminho a percorrer, é preciso preparar os portos, com infraestrutura adequada, para recepcionar as embarcações utilizadas na navegação de cabotagem, e, dessa forma, garantir a melhor equalização da nossa matriz de transporte de cargas”, finaliza.

André Amorim

Jornalista desde 2002 com passagem por blog, jornal impresso, revistas, e assessoria política e institucional. Desde 2013 acompanhando de perto o agronegócio paranaense, mais recentemente como host habitual do podcast Boletim no Rádio.

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