Em entrevista concedida ao Sistema FAEP/SENAR-PR, o professor Caio Carbonari discorre sobre os mitos que cercam o tema agroquímicos. Carbonari leciona na Universidade Estadual Paulista (Unesp), é pós-doutor e livre docente em Agronomia e Proteção de Plantas. Leia a entrevista:
BI: O senso comum diz que o Brasil é o líder mundial no uso de agrotóxicos. Por que esta afirmação é equivocada? Que tipos de dados ou estudos podem subsidiar isso?
CC: Quando comparamos simplesmente o valor total do mercado de agrotóxicos, o Brasil aparece em primeiro lugar no valor comercializado. No entanto, essa informação é irrelevante, se não compararmos os dados normalizados, ou seja, correlacionarmos o consumo por área ou por produção.
Em outras áreas do conhecimento, questões similares já foram solucionadas. Por exemplo, o número de crimes, acidentes e incidência de enfermidades são expressos por 1.000 ou 100.000 habitantes. Uma vez que o Brasil é um dos maiores produtores agrícolas do mundo, quando comparamos o consumo por área, o consumo do Brasil é inferior ao de muitos países desenvolvidos, como Japão, Coreia do Sul, Alemanha,
França, Itália e Reino Unido. O consumo brasileiro é compatível com muitos países importantes do ponto vista de produção agrícola mundial.
Isso em um ambiente de produção tropical que favorece substancialmente a ocorrência de pragas, plantas daninhas e doenças.
Há algum parâmetro para aferir se uso de defensivos agrícolas é indiscriminado no Brasil?
Quando fazemos uma análise ampla sobre o uso de agrotóxicos no Brasil, com as estatísticas e critérios adequados, os indicadores mostram um uso seguro de defensivos agrícolas no Brasil.
Uma das ferramentas já consolidadas e com grande aceitação por agências reguladoras e instituições de pesquisa no mundo todo é o EIQ (environmental impact quotient of pesticides – quociente de impacto ambiental), desenvolvido em 1992 por pesquisadores do New York State Integrated Pest Management (Kovach et al, 1992). O EIQ permite quantificar e estabelecer comparações quanto ao risco do consumo de defensivos agrícolas, levando em consideração uma série de fatores como a dose de ingrediente ativo aplicada, características físico-químicas e toxicológicos e dinâmica ambiental de cada composto. Essa ferramenta permite ainda avaliar o risco associado a diferentes componentes,
sendo eles o consumidor dos produtos agrícolas, o trabalhador envolvido na manipulação e aplicação e o ambiente.
Segundo um estudo que conduzimos, os valores de EIQ representando o risco para o consumidor, trabalhador e para o ambiente, vêm caindo no período de 2002 a 2015 e são compatíveis ou inferiores aos observados em muitos países desenvolvidos.
Nós entendemos que o uso do EIQ poderá representar um grande avanço para a avaliação dos riscos associado ao consumo de agrotóxicos e também permitirá informar melhor a população sobre os riscos reais.
Qual a relação que existe entre o fato de o Brasil ter um clima tropical e o uso de agroquímicos na produção?
O clima tropical potencializa a ocorrência de pragas, doenças e plantas daninhas, uma vez que as condições climáticas favoráveis ocorrem o ano todo. O clima tropical tem um aspecto positivo, pois nos permite fazer mais de uma safra por ano, mas aumenta a ocorrência dos problemas fitossanitários, exigindo maiores esforços no manejo. Apesar disso, como mencionado acima, muitos países importantes do ponto de vista de produção agrícola e com clima temperado fazem uso de maiores quantidades relativas de defensivos agrícolas quando comparados ao Brasil.
O Brasil é, hoje, é o maior exportador de soja e um dos maiores produtores de grãos do mundo. Essa produtividade seria possível sem os defensivos?
Na escala que produzimos não é possível, mas é possível trabalharmos continuamente pela redução dos riscos e pela legalidade do uso dos defensivos, o que vem sendo feito no Brasil. Se quisermos aprimorar a abordagem, podem ser estabelecidas metas para a redução dos riscos e as unidades de EIQ são um bom indicador, já utilizadas em outros países. Vale reforçar que quando comparamos os dados normalizados, por produção ou área, temos consumo e risco compatíveis com os de vários outros países desenvolvidos e de importância na produção de alimentos e em relação aos nossos concorrentes no mercado da soja.
Proporcionalmente, o Brasil usa menos agroquímicos que países desenvolvidos, como Japão, Alemanha e França. Que leitura podemos fazer desses dados?
Mesmo usando menos defensivos proporcionalmente, temos níveis elevados de produtividade e temos posição de destaque mundial na produção sustentável de alimentos fibras e bioenergia, o que mostra que temos feito a “lição de casa” quanto ao desenvolvimento de sistemas cada
vez mais sustentáveis de produção e manejo de pragas, plantas daninhas e doenças.
O consumo de agrotóxicos por tonelada produzida no Brasil está bem abaixo do que em países desenvolvidos. O que isso indica?
Novamente, esse dado nos indica a eficiência da nossa agricultura, nossa produtividade vem aumentando todos os anos e o uso de defensivos sequer aumentou na mesma proporção. Isso é mais um indicativo que o uso de defensivos no Brasil é bastante racional, quando comparamos a outros países relevantes quanto a produção agrícola mundial.
Considerando que há essa visão predominante que o uso de agrotóxicos é exagerado no Brasil, qual a saída para este debate?
Isso é atribuído à falta de informações e mesmo à falta de estatísticas confiáveis. Muitas vezes as informações amplamente disseminadas não são construídas a partir do conhecimento técnico e científico disponível. Grande parte das avaliações e julgamentos são de cunho ideológico e genéricos. Quem quiser opinar sobre o assunto deve fazê-lo de modo objetivo e à luz da ciência e do conhecimento. Devemos continuar trabalhando para disponibilizar informações corretas e confiáveis, construídas a partir do conhecimento técnico e científico, sobre o uso de defensivos agrícolas e coloca-las a disposição da nossa sociedade.
Comentar