Marlei Dias Borges e Iranei Donizete Machado vivem realidades distintas no campo. A primeira é uma pequena produtora familiar, que mantém um casal de suínos com alguns leitões, oito vacas e fabrica queijos em seu sítio de 4,8 hectares, localizado em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC). Machado, um grande suinocultor, por sua vez, acabou de ampliar sua granja, em Mamborê, no Noroeste do Estado, que passou a ter capacidade de alojar 2,7 mil matrizes. Apesar das diferenças de porte, eles têm um ponto em comum: ambos passaram a gerar a energia consumida em suas respectivas propriedades a partir de fontes renováveis. Fazem parte de uma tendência no Paraná que não para de crescer nos últimos anos.
O avanço impressiona. Em apenas sete anos, de 2017 a 2023, o número de propriedades rurais paranaenses que passou a contar com sistemas de painéis fotovoltaicos ou com usinas de biogás decolou de apenas 47 para mais de 25,6 mil. A capacidade de energia gerada aumentou de pouco mais de 1,2 mil quilowatts (kW) de potência para mais de 558,7 mil kW. Hoje, as unidades de geração de energia renovável estão em fazendas de 398 dos 399 municípios do Paraná (Tunas do Paraná é o único sem). Além de sustentáveis do ponto de vista ambiental, a adesão aos sistemas garante aos agricultores e pecuaristas autonomia energética e redução dos custos de produção.
Esse movimento tem como um dos divisores de águas a atuação do Sistema FAEP/SENAR-PR. Após promover uma série de eventos e seminários sobre geração de energias renováveis, em 2017, a entidade levou, em uma viagem técnica, 160 produtores e líderes rurais à Alemanha, Itália e Áustria. Lá, eles conheceram soluções tecnológicas voltadas à geração de energia limpa no campo – e constataram in loco que as energias renováveis, além de viáveis, também são um ótimo negócio. Desde então, o tema passou a ser uma bandeira do Sistema FAEP/SENAR-PR, que vem estimulando os agropecuaristas paranaenses a adotarem sistemas fotovoltaicos e de biogás em suas propriedades.
“Quem ainda não aderiu às energias renováveis vai ficar para trás. A energia é um dos itens que mais pesa no custo de produção, principalmente em atividades como avicultura, suinocultura, bovinocultura de leite e piscicultura, nas quais o Paraná é uma potência. É um investimento que se paga em poucos anos e que garante ao produtor economia imediata. Isso sem falar na sustentabilidade ambiental”, resume o presidente do Sistema FAEP/SENAR-PR, Ágide Meneguette. “Desde a década passada, essa questão tem sido uma prioridade e passamos, então, a levar informações e a estimular os nossos produtores. As energias renováveis não são mais o futuro: são o presente”, define.
Do pequeno produtor…
Foi navegando pela internet em seu celular que Marlei Dias Borges, de 68 anos, soube do Renova Paraná, programa do governo estadual voltado a fomentar a implantação de sistemas de energias renováveis no campo. Apesar de ser uma pequena produtora familiar, ela se interessou pela proposta. Queria zerar a conta de energia, que girava em torno de R$ 450 por mês. Quando a técnica do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-PR) passou pelo sítio, Marlei pediu ajuda. E deu certo. Instalado no telhado da casa, o conjunto de 19 painéis solares acabou de completar um ano de funcionamento.
“Melhorou muito a minha vida. As entidades que estão ajudando e estimulando a entrar na energia solar entenderam um problema do pequeno produtor. Energia é tudo”, diz Marlei. “Antes, quando ligava a máquina de fazer ração para os animais ou a bomba d’água por muito tempo, eu já me preocupava: ‘Meu Deus, vai subir a conta!’. Agora, já não tenho essa preocupação. A energia [gerada pelo conjunto] dá e sobra”, aponta.
Marlei vive na pequena propriedade desde 2003, com a mãe, de 85 anos, e com o irmão, 59. Na ocasião, ela tinha acabado de se aposentar e, “com o dinheirinho do acerto”, comprou uma vaca. Produzia sete quilos de queijo por semana e fabricava pães. Posteriormente, ia, de ônibus, vendê-los na área central de São José dos Pinhais, batendo de porta em porta. Boa de prosa, logo fez clientela fiel. Com o tempo, aumentou o plantel e turbinou a produção. Hoje, as oito vacas estão inseminadas e, quando entrarem em lactação, Marlei espera produzir cerca de 50 peças de queijo por semana – agora, fabricados pelo irmão. A família também tem um carro popular, usado nas vendas.
Pelo conjunto de geração de energia, Marlei desembolsa R$ 5,1 mil por ano com o financiamento, que espera finalizar em cinco anos. Desde que o sistema começou a operar, a produtora paga apenas a taxa mínima da conta de luz, de uso da rede. Com a produção de energia, ela também investiu no bem-estar da família: comprou um aparelho de ar-condicionado. “Eu vejo isso como uma fonte de renda. Lá na frente, o dinheiro que a gente vai economizar fica como ganho. Eu quero investir um pouco no nosso conforto. Mas também não vou deixar de trabalhar, de vender nosso queijo. Eu sou de fazer amizade. Aqui em São José [dos Pinhais] todo mundo me conhece”, diz, orgulhosa.
…ao grande produtor
Em 2018, a energia era o insumo que mais puxava para cima os custos de produção de Iranei Donizete Machado. Na ocasião, sua granja alojava 2,2 mil matrizes, na fase UPL (Unidade Produtora de Leitões). Para manter os animais, a conta de luz variava entre R$ 18 mil e R$ 20 mil por mês. Os altos valores fizeram com que ele investisse em energia solar fotovoltaica: os 280 painéis instalados reduziram o custo da energia para R$ 8 mil por mês. “Era um custo que estava pesando muito. Com o sistema renovável já deu uma boa reduzida, o que fez com que a gente diminuísse o nosso custo de produção”, apontou Machado.
Mas ele não parou por aí. Em 2023, o suinocultor ampliou sua granja: são 10 galpões (seis voltados à maternidade e quatro, à gestação), com capacidade total para 2,7 mil matrizes. No embalo, Machado decidiu aproveitar os dejetos produzidos pelos animais para gerar energia. Em um projeto orçado em R$ 1,3 milhão, ele implantou um biodigestor e dois geradores. Com os painéis solares e o biogás, a energia renovável gerada na propriedade passou a ser maior do que a consumida na granja.
“Agora, a energia que a gente produz supre a nossa necessidade e sobra, mesmo com o aumento da granja. Se não fossem as fontes renováveis, eu estaria pagando R$ 20 mil por mês, na conta de luz. É um baita ganho financeiro”, ressalta o suinocultor. “Além disso, tem a questão sustentável. Não é uma lagoa de dejetos mandando gás para o meio ambiente. Estamos aproveitando isso para gerar energia”, acrescenta.
Mesmo antes de finalizar o financiamento, o conjunto já vai começar a gerar renda para Machado. Ele se cadastrou em uma cooperativa, que pretende comprar a energia excedente produzida na granja. “Vai gerar um crédito, então teremos um ganho financeiro”, resume o suinocultor. “A pessoa só não adere às energias renováveis se não fizer as contas. Se a pessoa tem uma granja, não tem como deixar de aproveitar os dejetos para gerar energia e ter uma fonte de renda extra. Não tem nem que pensar. A viabilidade é enorme”, concluiu.
Paraná é o segundo no ranking de energia renovável
Em 2017, as usinas fotovoltaicas e biodigestores instalados em propriedades rurais do Paraná tinham capacidade de gerar 1,2 mil quilowatts (kW). Sete anos depois, em 2023, a potência instalada no Estado saltou para 558,7 mil kW. Com isso, o Paraná ocupa o segundo lugar no ranking de geração de energia no campo a partir de fontes renováveis. Hoje, o Estado responde por quase 18% da produção de energia limpa em meio rural. Sete anos atrás, esse índice não chegava a 9%.
No topo da lista, aparece Minas Gerais, com potência instalada de 659,2 mil kW e que responde por 21,1% da energia gerada no campo a partir de recursos renováveis. Para efeitos de comparação, Minas tem 853 municípios – mais que o dobro do que o Paraná. Além disso, a população mineira é de mais de 20,7 milhões de pessoas, enquanto os paranaenses somam 11,6 milhões de habitantes.
“Por si só, o avanço do Paraná já é fantástico. Temos números de geração muito próximos de Minas Gerais, que tem mais que o dobro de nossas dimensões. O trabalho que temos feito é grandioso e só tende a aumentar”, observa Luiz Eliezer Ferreira, do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema FAEP/SENAR-PR.
“Como instituição, nosso objetivo é continuar trabalhando, levando informações e apoiando os nossos produtores a aderir às energias renováveis. Queremos, cada vez mais, ver usinas solares e biodigestores em propriedades rurais paranaenses, porque isso dá autonomia e competitividade aos nossos produtores”, reforça Ágide Meneguette, presidente do Sistema FAEP/SENAR-PR.
Programa estadual impulsionou novos projetos
Lançado em julho de 2021, o Programa Paraná Energia Rural Renovável (Renova Paraná) impulsionou a instalação de conjuntos de painéis fotovoltaicos e de biodigestores no campo. Às vésperas de completar dois anos de atividade, a iniciativa já apoiou o financiamento de mais de 5,8 mil projetos, que passam de R$ 1 bilhão. Apesar da velocidade com que o programa avançou, o coordenador do Renova Paraná, Herlon Goelzer de Almeida, prevê crescimento ainda maior para os próximos anos.
“Os produtores despertaram para a necessidade de gerar a própria energia. Nunca o Estado teve um programa com tanta velocidade na adesão e tanta repercussão. Isso mostra a importância da política pública”, aponta Almeida. “Embora expressivos, estamos só começando. O Paraná tem 330 mil propriedades rurais. Quem ainda não aderiu, tem que aderir”, alerta.
O Renova Paraná estimula os projetos por meio da equalização da taxa de juros – ou seja, na prática, o programa paga parte dos juros dos financiamentos. Além disso, há incentivos tributários e aproveitamento de créditos a quem aderir. “É uma iniciativa de acesso universal. Produtores de qualquer dimensão podem aderir. Não tem nenhum freio, nenhuma trava. Basta querer”, ressalta Almeida. “O produtor pode pagar as parcelas do financiamento com o que vai economizar de energia. Quando terminou de pagar, pronto: recuperou o capital. É altamente viável”, diz.
Aumento do custo da energia reforça viabilidade do investimento em fontes renováveis
Ao longo dos últimos cinco anos, o peso exercido pela energia elétrica sobre o setor agropecuário aumentou significativamente. Até 2018, a tarifa rural correspondia a 70% da tarifa residencial. No fim daquele ano, no entanto, nos últimos dias de seu governo, o então presidente Michel Temer assinou o Decreto 9.642/18, que previa a redução gradativa de subsídios federais à energia consumida no campo, até que as tarifas fossem equiparadas. Mas não parou por aí.
No Paraná, o governo do Estado extinguiu a Tarifa Rural Noturna, um programa que previa a redução de 60% na energia consumida entre 21h e 6h em propriedades rurais. Não bastasse isso, o custo da energia aumentou de forma acentuada nos últimos anos, com a implantação de um sistema de bandeiras tarifárias – em que a tarifa chega a aumentar 23% no caso de um cenário de escassez hídrica.
“Nos últimos cinco anos, o campo foi quem mais sofreu com os aumentos de energia elétrica. A tarifa para a classe rural registrou aumento de 58,6%, enquanto a tarifa residencial teve alta de 34%. No mesmo período, a inflação medida pelo IPCA foi de 29%. Ou seja, a alta da energia rural foi praticamente o dobro da inflação”, observa Luiz Eliezer Ferreira, técnico do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema FAEP/SENAR-PR.
Tudo isso provoca reflexos diretos da porteira para dentro. Nos levantamentos de custos de produção realizados pelo Sistema FAEP/SENAR-PR junto a avicultores e a suinocultores, a cada semestre, a energia elétrica aparece como um dos principais custos e que vem em trajetória crescente. Um dos casos mais evidentes ocorreu em Cascavel, na região Oeste do Paraná, onde a energia elétrica representou 32% dos desembolsos de um avicultor, considerando um aviário modal. “Pela primeira vez na história, o custo da energia superou o da mão de obra na avicultura em Cascavel”, aponta Ferreira.
Ao longo da última década, a questão energética passou a ser uma das prioridades do Sistema FAEP/SENAR-PR. A entidade promoveu um intenso trabalho de difusão de informações técnicas qualificadas aos produtores rurais sobre a adoção de sistemas de energias renováveis. A partir da viagem técnica internacional, em 2017, os esforços da instituição foram crescentes, com palestras e eventos. No ano passado, por exemplo, o Sistema FAEP/SENAR-PR promoveu seminários em cinco regiões do Estado, que tiveram a participação de mais de 600 pessoas.
“Institucionalmente, temos estimulado os produtores. Temos levado informações sobre a instalação e o funcionamento dos sistemas, sobre o investimento e a viabilidade financeira. O produtor precisa reduzir custos e a energia, hoje, tem um papel estratégico na atividade agropecuária”, destaca o presidente do Sistema FAEP/SENAR-PR, Ágide Meneguette. “Todos os nossos esforços têm dado resultado. Tanto que vemos no campo uma infinidade de usinas solares ou de biodigestores, das pequenas às grandes propriedades”, acrescenta.
Além disso, o Sistema FAEP/SENAR-PR lançou duas cartilhas sobre energias renováveis. Ambos os materiais trazem a síntese das legislações aplicadas ao tema e apresentam o funcionamento de sistemas fotovoltaicos e de biogás. Também, as publicações contemplam estudos de viabilidade técnica e financeira, estimando a necessidade de geração em propriedades modais voltadas à avicultura e à bovinocultura de leite, e calculando qual seria o payback – ou seja, o tempo de retorno do investimento. Os dois materiais estão disponíveis, gratuitamente, no site sistemafaep.org.br.
“Os estudos comprovam que é um investimento extremamente viável. Os conjuntos se pagam entre cinco e sete anos, enquanto a vida útil dos sistemas passa dos 25 anos. Na prática, o produtor terá energia praticamente de graça por cerca de duas décadas”, aponta Ferreira do DTE do Sistema FAEP/SENAR-PR.
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