O consumidor que vai ao mercado sentiu a diferença: na gôndola, o preço de produtos básicos disparou ao longo dos últimos meses. O caso mais evidente é o do arroz, cujo preço do pacote de cinco quilos passou dos R$ 25. Outros itens, como feijão e leite também vêm em alta. O que o cidadão comum, em geral, não sabe é que o produtor rural nada tem a ver com o aumento. A oscilação está diretamente relacionada a uma dinâmica de mercado que envolve a valorização do dólar e, consequentemente, das exportações, aumento da demanda no mercado interno e reflexos causados pelo período de pandemia do novo coronavírus.
No caso do arroz, a produção brasileira aumentou 6% neste ano – ou seja, os produtores continuaram fazendo sua parte da porteira para dentro. Mas outros fatores tiveram peso maior nessa equação. Um deles é o câmbio, que registrou variação positiva de 35% neste ano: o dólar começou janeiro cotado a R$ 4, atingiu pico de R$ 5,93 em maio e, agora, chega a setembro negociado acima de R$ 5,50. Com a demanda internacional em alta – agravada por uma quebra de produção na Tailândia, um importante produtor mundial –, o mercado externo se tornou mais atrativo às indústrias de beneficiamento.
Esse contexto impulsionou as exportações brasileiras de arroz, que aumentaram 73% de janeiro a agosto deste ano em comparação ao mesmo período de 2019, ultrapassando 1,1 milhão de toneladas. Em valores, as vendas externas representaram US$ 407 milhões, 81% a mais do arrecadado nos oito primeiros meses do ano passado, conforme levantamento do Departamento Técnico Econômico (DTE) do Sistema FAEP/SENAR-PR.
“Esse aumento dos preços no supermercado obedece a uma lógica de mercado. Neste momento, compensa para a indústria exportar o arroz, focar no mercado externo. O vendedor, que não é o produtor rural, olha quem está pagando mais”, observa Luiz Eliezer Ferreira, técnico do DTE do Sistema FAEP/SENAR-PR. “Nessa conta, não basta o dólar estar alto, mas é preciso fazer uma comparação em relação a outras moedas. E o real foi o que mais perdeu em relação ao dólar. Isso fez com que nossos produtos ficassem mais competitivos lá fora”, acrescenta.
No mercado interno
Além dessa ênfase no mercado internacional, Ferreira destaca que as medidas de isolamento social adotadas em razão da pandemia provocaram o aumento do consumo de itens básicos. Isso também tem relação direta com medidas adotadas pelo governo federal, como a concessão do auxílio emergencial – voltado a desempregados, autônomos e famílias de baixa-renda –, que mantiveram o poder de compra dessas fatias da população.
Tudo isso provocou o aumento dos preços dos alimentos no mercado interno, principalmente dos itens básicos, em patamares acima de outros setores aferidos pelos índices de inflação. De janeiro a agosto, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), por exemplo, oscilou 0,7%, mas considerando só o grupo alimentos, a alta foi de 4,7%. Levando em conta só o mês de agosto, o peso da alimentação na inflação foi de 20%.
“Essa injeção de recursos em um momento de isolamento social fez com que aumentasse o consumo. Na contramão de outros setores, a comercialização de produtos agropecuários, de alimentos básicos, aumentou. Tudo isso denota o aumento de consumo”, apontou Ferreira.
Apesar de o arroz ter estado em maior evidência, o feijão também é impactado por essa dinâmica. Cultura de ciclo mais curto – e que permite até três safras por ano –, o feijão teve uma redução da produção, em razão da estiagem registrada neste ano. Além disso, a produção mundial também diminuiu, desequilibrando a balança. De janeiro a agosto, os preços dos feijões preto e carioca no mercado interno tiveram alta de 28,9% e 12,1%, respectivamente.
Outro item básico, o preço do óleo de soja oscilou bastante nas prateleiras dos supermercados: 18,63%, entre janeiro e agosto. Além de todo este contexto, soma-se o fato de a soja estar em alta no mercado internacional. A oleaginosa responde por 36% do valor arrecadado pelas exportações agropecuárias do Paraná neste ano, que totalizaram US$ 9,1 bilhões (janeiro a agosto).
No caso do leite e derivados, o valor de referência – usado como base na negociação entre produtores e a indústria – vem acumulando altas sucessivas desde maio. Em um primeiro momento, os preços foram puxados pelos queijos, mas logo se generalizaram para fluidos e outros derivados. Além do aumento da demanda, tem-se observado a redução da captação de leite pela indústria – o que é considerado normal nesta época do ano.
Custos e renda
Por outro lado, a valorização do câmbio implicou em um efeito negativo da porteira para dentro: o aumento dos custos de produção. Isso se dá, principalmente, porque a maior parte dos insumos de todas as cadeias produtivas são importados, comprados em dólar. No caso do leite, por exemplo, o técnico do DTE do Sistema FAEP/SENAR-PR Guilherme Souza Dias aponta que os custos dos insumos da ração dos animais aumentaram 50%, enquanto os preços pagos aos produtores tiveram variação positiva de até 35%.
“Por um lado, temos o deslocamento dos hábitos de consumo, com as pessoas em isolamento social, se alimentando em casa e consumindo mais derivados, e a restrição da oferta. Por outro, temos o aumento dos custos de produção em índice maiores do que o recebido pelo produtor. Não é o campo que está ganhando com essa alta verificada na gôndola”, diz Dias.
Essa regra é generalizada: o aumento dos preços dos produtos básicos para o consumidor final não representa ganho de renda para quem produz. “Apesar de termo preços recordes ao produtor final em alguns itens, os produtores não tiveram ganho real. Em primeiro lugar, porque os produtores são tomadores de preço e o aumento no mercado veio em um momento posterior à venda para a agroindústria. Além disso, tivemos o impacto do aumento dos custos de produção. Esse repasse de preços ao consumidor não é repassado de forma imediata ao produtor”, aponta.
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