No momento em que um forte concorrente desembarca no mercado brasileiro, a suíça Nestlé, maior captadora de leite do país, projeta ampliar as compras de matéria-prima este ano e reforça a aposta em seus programas de fomento à produção, que têm como principal foco garantir a qualidade do leite.
A empresa adquire cerca de 2 bilhões de litros de leite por ano para processamento e deve manter o ritmo de aumento das compras. Até o ano passado, a captação da matéria-prima era feita pela DPA, uma joint venture entre a Nestlé e a neo-zelandesa Fonterra, mas a parceria foi desfeita e a partir deste ano a aquisição será realizada diretamente pela Nestlé. Entre 2012 e 2013, último dado fechado, segundo o ranking da Leite Brasil (associação que reúne dados do setor), as compras de leite pela companhia cresceram quase 4 %.
“A captação deve subir um pouco, fruto de aumento de participação de mercado”, afirma César França, vice-presidente de lácteos e cereais da Nestlé. Ele acrescenta, sem dar detalhes, que a empresa “vai apostar em inovação, na renovação de produtos e em produtos nutricionalmente melhores”. Para isso, vai precisar de mais leite.
E a concorrência pelo leite nas principais bacias produtoras do Brasil vai certamente aumentar com a entrada da francesa Lactalis no mercado nacional, depois da aquisição de ativos da LBR-Lácteos Brasil e da divisão de laticínios da BRF no ano passado. Mas a Nestlé sinaliza tranquilidade em relação ao novo cenário. “Não vemos [a Lactalis] como ameaça na disputa por fornecedor. Se tentar seduzir meu produtor, vou tentar seduzir o dela”, afirma, assertivo.
França avalia ainda, sobre a entrada do player francês no mercado brasileiro, que a “competição faz bem para a categoria como um todo” e que “é preferível ter competidor que trabalhe marca a predadores que achacam produtores [de leite]”. Além das marcas como Batavo e Elegê, que eram da BRF, e Poços de Caldas e Boa Nata, compradas da LBR, a Lactalis vai retomar a marca Parmalat, que estava sendo usada sob licença pela LBR.
De fato, a Nestlé deve ter nos programas de fomento à produção uma ferramenta importante para manter a fidelidade dos fornecedores num mercado mais concorrido, acreditam analistas do mercado de lácteos.
Hoje, a companhia recebe leite de cinco mil produtores diretos e 35 mil indiretos (por meio de cooperativas). Entre os cinco mil diretos, há 2.200 que participam do programa Boas Práticas na Fazenda, uma parceria com a Embrapa existente desde 2005, e considerada na empresa a mais importante iniciativa para fomentar a produção. Os pecuaristas que fazem parte do programa entregam exclusivamente para a companhia, que rastreia toda a produção desde a fazenda até as redes varejistas.
De acordo com França, esses produtores têm de atender a 53 requisitos para garantir sobretudo a qualidade do leite. O cumprimento das exigências lhes garante uma bonificação sobre o preço da matéria-prima no mercado, mas o executivo não divulga o valor do prêmio. “Nosso objetivo é remunerar justamente nossos produtores em troca de qualidade que ajuda a sustentar o diferencial da marca Nestlé”, diz (ver Pecuarista quintuplicou margens em três anos).
Segundo ele, a expectativa é “aumentar de forma significativa o número de propriedades dentro do Boas Práticas. A meta é crescer 30% este ano”.
Em linhas gerais, o objetivo do programa, que atinge produtores espalhados por São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Goiás, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Pernambuco, é ajudar o pecuarista a melhorar os ganhos de produtividade e a produzir leite de qualidade. Além disso, conforme França, os programas de fomento também contribuem para manter as famílias de produtores no campo.
O perfil dos pecuaristas que participam do programa varia desde os muito pequenos, que têm quatro vacas, a produtores com mais de 150 vacas, observa França. “Na maior parte dos casos, o trabalho é feito pela própria família”, afirma.
De acordo com o executivo, os pecuaristas que participam do programa têm resultados em termos de produtividade bem superiores à média nacional. Enquanto a média no Brasil é de um rendimento de cerca de 5 litros de leite por animal/dia, os fornecedores da Nestlé inscritos no programa obtêm “mais do que o dobro” disso, segundo França.
O “passo seguinte” do Programa Boas Práticas, afirma César França, é o Aliança, que tem atualmente 566 fornecedores cadastrados. Segundo a Nestlé, esse programa “facilita a interação entre a empresa e o produtor” e também permite a estabilidade da produção de leite, já que é feito um contrato de compra e venda de 12 meses com os fornecedores de matéria-prima.
Além do desafio de enfrentar maior concorrência por leite para processamento no Brasil, a Nestlé tem ainda este ano – como todas as cadeias produtivas do país – o desafio de uma economia desaquecida. Mas esse cenário também não assusta, segundo o vice-presidente de lácteos e cereais da Nestlé. “Estamos otimistas com a demanda. O ano será bom para o setor, as pessoas continuarão consumindo”, pondera.
Embora evite fazer previsões para os preços do leite ao produtor, França afirma não esperar que a matéria-prima suba muito este ano no país. “A oferta vai se adequar à demanda”, aposta.
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