Foi em viagens aos Estados Unidos e à Europa, em 2015, que o produtor rural Sérgio Mezzari teve seu primeiro contato com a energia solar aplicada à agropecuária. Na ocasião, ele visitou diversas propriedades rurais que contavam com sistema de painéis fotovoltaicos e se entusiasmou: percebeu que aquilo era o futuro. De volta ao Brasil, no ano seguinte, Mezzari participou de um seminário sobre energias renováveis organizado pelo Sistema FAEP/SENAR-PR. Com todas suas dúvidas elucidadas, o produtor elaborou um projeto para instalar painéis solares em seus aviários, em Nova Aurora, no Oeste do Paraná. As placas foram colocadas em funcionamento no início de 2017, o que faz com que Mezzari se considere um dos primeiros produtores paranaenses a aderir à energia solar.
Em seus três galpões, que alojam uma média de 65 mil aves por lote, Mezzari instalou 96 painéis fotovoltaicos que, juntos, geram 3,5 mil quilowatts/hora (kWh) – o que corresponde a mais da metade do consumo médio da propriedade (6 mil kWh). Antes de optar pelo financiamento, o produtor, que também é economista e contador, fez um estudo da viabilidade do investimento e comprovou que estava no caminho certo. O sistema foi financiado pelo Programa Nacional de Fortalecimento a Agricultura Familiar (Pronaf) com taxa de juros de 2,5%, com payback (tempo que a economia gerada será suficiente para pagar o investimento) de dez anos.
Agora, Mezzari se prepara para tirar do papel mais um conjunto de painéis, com o objetivo de tornar a propriedade autossuficiente em energia elétrica. O investimento está estimado em R$ 142 mil. “Eu estou me adiantando. Com a previsão do fim do Tarifa Rural Noturna [programa que concede subsídios à energia consumida por produtores no período noturno], o custo da energia vai ser ainda maior. O produtor tem que estar de olho nisso”, diz Mezzari. “A energia que é gerada pelos painéis paga o investimento. Depois do payback, o produtor vai ter esse valor gerado como uma renda extra. É um resultado líquido que ele passa a ter”, observa.
Iniciativas como a de Mezzari revelam uma tendência que o Sistema FAEP/SENAR-PR vem apoiando de forma incisiva ao longo dos últimos anos. Não é difícil entender o porquê. De um lado, a energia elétrica é um dos insumos que mais pesam sobre algumas atividades pecuárias, como bovinocultura de leite, piscicultura, suinocultura e avicultura, chegando a representar até 25% dos custos de produção. De outro, existe a redução ou fim de subsídios, como o Programa Tarifa Rural Noturna (TRN), que será extinto em dezembro de 2022. Com isso, o preço da energia tende a pressionar os produtores ainda mais. Por isso, quem não pensar em alternativas, corre o risco de ver a sustentabilidade de seu negócio ameaçada.
Em substituição ao TRN, o governo do Paraná lançou o Programa Paraná Energia Rural Renovável (Renova PR), com o objetivo de estimular que produtores implantem em suas respectivas propriedades sistema de geração de energia, como a solar e de biomassa. Para isso, o programa prevê a oferta de financiamento com taxas de juros favoráveis, além de oferta de incentivos tributários. A meta do governo é que 100 mil unidades produtivas tenham aderido à iniciativa até o fim de 2030.
“A Tarifa Rural Noturna vai acabar em 2022 e não haverá renovação do subsídio. Isso já está definido pelo governo. Em contrapartida, temos o Renova PR. Então, o produtor precisa se organizar para instalar um sistema de geração em sua propriedade. Quem deixar para depois, vai ficar para trás e corre o risco de ter seu negócio inviabilizado pelo aumento dos custos de produção. Ao longo da última década, nós temos incentivado a adoção dessas alternativas”, diz o presidente do Sistema FAEP/SENAR-PR, Ágide Meneguette.
Viabilidade
No ano passado, o Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema FAEP/SENAR-PR elaborou um estudo da viabilidade de implantação de energia solar em propriedades rurais paranaenses. Os técnicos analisaram diferentes cenários na avicultura e bovinocultura de leite. Na produção de frangos, considerando um aviário com dois galpões e capacidade para alojar 66,5 mil aves, o payback seria de sete anos. Como a durabilidade do equipamento é, em média, de 25 anos, o produtor teria a energia gerada quase de graça por 18 anos. No caso da bovinocultura leiteira, o modelo em uma propriedade com 60 animais em lactação, o payback seria ainda menor: de cinco anos.
Além disso, a retirada de subsídios tem encarecido o custo da energia no campo, ano a ano. Um levantamento feito pelo DTE do Sistema FAEP/SENAR-PR aponta que em 2020 a tarifa da eletricidade no campo aumentou 6,8%, enquanto o reajuste na cidade foi de 0,8%. Neste ano, a energia já subiu 17% no meio rural e 10% na zona urbana. Em âmbito federal, o subsídio que ainda alivia a conta de luz no campo vai acabar em 2023, o que deve implicar em um novo aumento.
“A política econômica, seja no nível federal ou no estadual, está clara: é acabar com os subsídios. Nesse cenário, o Renova PR é uma oportunidade para o produtor gerar sua própria energia, reduzindo seus custos de forma sustentável”, explica Luiz Eliezer Ferreira, técnico do DTE do Sistema FAEP/SENAR-PR. “As atividades que mais dependem de energia elétrica, como avicultura, suinocultura, aquicultura e bovinocultura de leite, são setores que trabalham com margens apertadas. Arcar com uma tarifa maior pode inviabilizar essas atividades”, acrescenta.
Renova-PR
Em julho, o governo iniciou o cadastramento de empresas da geração de energia renovável que queiram se habilitar para fornecer sistemas de painéis fotovoltaicos por meio do Renova-PR. “Temos uma série de exigências que as empresas vão ter que cumprir para aderir ao programa. Terão que seguir as normais técnicas e os padrões, garantir assistência técnica pós-venda até o limite da garantia dos equipamentos fornecidos”, exemplifica engenheiro do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-Paraná) e coordenador do programa, Herlon Goelzer de Almeida. “Pelo volume de produtores que teremos, as empresas não vão querer ficar de fora”, acrescenta.
A meta inicial é chegar ao fim de 2022 com 10,4 mil usuários atendidos. O Renova-PR contará com taxas de juros reduzidas. A equalização das taxas será feita por intermédio do Banco do Agricultor Paranaense, com recursos do Fundo de Desenvolvimento Econômico (FDE), controlado pela Fomento Paraná. “A equalização das taxas de juros vai depender do volume de recursos disponibilizados, do porte do produtor rural beneficiado e da linha de crédito escolhida, de acordo com os regramentos que serão criados”, explica Almeida.
A prioridade será dada para os produtores rurais que, hoje, são beneficiários do TRN. Segundo a projeção do governo feita com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Paraná tem mais de 150 mil propriedades voltadas à produção de proteína animal – e que são público-alvo do Renova-PR. Para aderir ao programa, o produtor deve procurar um escritório do IDR-Paraná.
Produtor aguarda Renova-PR para novos investimentos
O agropecuarista Lucas Sirotti conhece na prática as vantagens de se apostar em energia renovável. Uma das propriedades da família, em Rancho Alegre, no Noroeste do Paraná, é voltada à piscicultura, com oito tanques com capacidade de alojar 520 mil tilápias por lote. Desde março do ano passado, a propriedade conta com um conjunto de painéis fotovoltaicos que geram 60% da energia consumida na produção de peixes. Antes, a conta de luz chegava aos R$ 22 mil. Com a nova fonte de geração e com ajustes nos aeradores, os gastos despencaram. Houve meses em que a conta caiu para R$ 2 mil: economia de 90%.
Os resultados fizeram com que Sirotti estendesse a iniciativa para os aviários da família, instalados em uma propriedade em Goioerê, também no Noroeste. Lá, o sistema de geração a partir da luz solar corresponde a 92% do consumo dos galpões, que alojam 120 mil aves por lote. Em ambos os casos, os painéis foram financiados pelo Inovagro, linha do governo federal. O produtor terá carência de três anos e estima pagar os investimentos após mais cinco anos.
“Tanto na avicultura quanto na piscicultura, o maior custo é o da energia. E é um custo que aumenta todo ano. A gente viu esse investimento nos painéis solares como uma questão de necessidade”, diz Sirotti. “Eu vejo isso como um caminho sem volta. O produtor que não fizer vai deixar em risco a sustentabilidade do negócio. São atividades em que se precisa reduzir custos”, aponta.
Agora, o plano do agropecuarista é instalar um novo conjunto de paineis na propriedade de Rancho Alegre, para que sua produção de peixes se torne autossuficiente do ponto de vista energético. Os reflexos da pandemia do novo coronavírus – que encareceram matérias- -primas, como o ferro, e componentes eletrônicos – até colocaram Sirotti em alerta. Ainda assim, ele pretende levar o plano adiante. O projeto está pronto. Sirotti só não financiou o novo empreendimento ainda porque está esperando a divulgação das condições do Renova-PR.
“Estão dizendo que os juros pelo programa do governo serão de 3%. Temos que ver como isso vai ser viabilizado, mas parece que vai ficar interessante. Essa redução de juros compensa o aumento do custo dos materiais”, diz. “A ideia é que a gente gere 100% da energia consumida na nossa piscicultura”, ressalta.
O que são:
Tarifa Rural Noturna (TRN) – programa do governo do Paraná que concede subsídio de 60% na energia elétrica consumida entre as 21h30 e 6h para produtores cadastrados. O programa vai ser extinto no fim de 2022. Paraná
Energia Rural Renovável (Renova-PR) – programa do governo do Paraná que tem por objetivo ampliar e estimular a adoção de fontes de energias renováveis por parte de produtores rurais. A iniciativa vai oferecer linhas de financiamento com juros subsidiados. A ideia é que os agropecuaristas reduzam custos, gerando sua própria energia.
Na vanguarda, FAEP protagoniza estímulo a energias renováveis
As ações do Sistema FAEP/SENAR-PR vão além de levar aos produtores informações técnicas sobre energias renováveis e a defender políticas públicas que tornem atrativos investimentos neste setor. A entidade também deu exemplo: instalou um conjunto de 304 painéis fotovoltaicos no Centro de Treinamento Agropecuário (CTA) de Assis Chateaubriand, no Oeste do Estado. Batizada de “Usina Solar Nelson Paludo” – em homenagem ao líder rural falecido em julho –, o empreendimento deve gerar uma economia de R$ 112 mil por ano, a partir da energia elétrica gerada.
Mas o estímulo do Sistema FAEP/SENAR-PR à adoção de energias alternativas se intensificou há mais de uma década, por meio de iniciativas, como a promoção de seminários e conferências, a elaboração de estudos técnicos e a organização de visitas técnicas. Nos últimos anos, por exemplo, a entidade buscou referências internacionais, observando exemplos de modelos adotados nos países que se notabilizam por seu desenvolvimento no setor agropecuário.
Em 2017, quatro delegações organizadas pelo Sistema FAEP/SENAR-PR participaram de uma expedição pela Europa. Na ocasião, produtores, líderes rurais e técnicos da entidade conheceram projetos bem-sucedidos no uso e geração de energia renovável na Alemanha, Áustria e Itália.
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