Acostumado a lidar com os sobressaltos inerentes à sua vulnerabilidade climática, o Sul do Brasil vem se destacando nesta safra de grãos por condições surpreendentemente favoráveis. Contemplada por temperaturas em geral adequadas e chuvas regulares e volumosas, a região tende inclusive a amenizar prováveis perdas em outros Estados produtores que sofrem com a seca.
Essa tendência é puxada pela soja, carro-chefe do agronegócio nacional. A oleaginosa, que encabeça as exportações do setor, já apresentava melhores perspectivas de rentabilidade que na época do plantio em razão da valorização do dólar, que tem aliviado o efeito da queda das cotações na bolsa de Chicago. Isso mesmo para quem está sem água. Mas com o clima a elevar a produtividade, tônica no Sul, serão mais sacas lucrativas, o que poderá animar a economia da região como um todo.
“Desde junho, o câmbio significou uma oferta de preços R$ 12 maior por saca no mercado brasileiro, enquanto Chicago tirou R$ 10 desse valor no mesmo período”, calcula Marcos Rubin, sócio da Agroconsult e um dos coordenadores do “Rally da Safra”, expedição técnica realizada há 12 anos pela consultoria. O Valor participou da terceira etapa do rally deste ano (são nove no total) e, entre 4 e 9 de fevereiro, visitou 27 cidades e cerca de 30 lavouras em Mato Grosso do Sul e no Paraná.
Com a alta do dólar, a Agroconsult estima que em Campo Mourão, principal polo produtor no centro-norte do Paraná, a rentabilidade da soja em 2014/15 ficará positiva em R$ 628 por hectare. O montante é bem inferior aos R$ 1.273 por hectare da safra passada, quando os preços estavam mais atraentes, mas ainda garante uma boa remuneração ao agricultor, que vem capitalizado após uma sequência de três ou quatro anos de resultados positivos.
Não bastassem as margens maiores que as previstas na semeadura e o clima generoso, a região Sul, que concentra quase 40% da produção brasileira de grãos, também comemora o fato de não ter sofrido, pelo menos até agora, ataques agressivos de pragas ou doenças. Da helicoverpa, vilã nas duas últimas temporadas em muitas lavouras, mal se ouve falar. As plantações estão excepcionais em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul – embora, especialmente neste último, seja necessário chuvas por mais 30 dias para que o potencial produtivo se defina.
Mas são os produtores de soja do Paraná que parecem mais ansiosos. Vice-líder na produção nacional de soja (atrás apenas de Mato Grosso) e recém-saído de uma safra marcada por golpes do clima, o Estado nutre grande expectativa em relação a uma reação neste ano. No ciclo passado, os paranaenses colheram uma média de 49,5 sacas por hectare, bem abaixo das 56 sacas projetadas inicialmente pelo Departamento de Economia Rural (Deral), ligado à secretaria estadual da Agricultura.
“Sofri um pouco com a estiagem no ano passado, mas agora está excelente, não tenho do que reclamar”, diz Anselmo Hernandez, que cultiva soja em 73 hectares no município de Tupãssi, oeste do Paraná – região de solos férteis e alta tecnificação que costuma puxar para cima a produtividade média do Estado. A colheita começou e a previsão do agricultor é de um rendimento de 70 sacas por hectare, ante as 66 do ciclo anterior.
Levantamento da Conab divulgado ontem confirmou que, após alguns solavancos nos últimos anos, a soja do Paraná voltará a ter a melhor produtividade do país nesta safra 2014/15, em torno de 3.328 mil quilos (55,5 sacas) por hectare. A produção total da oleaginosa está estimada em 17,3 milhões de toneladas, um recorde. “Algumas lavouras ainda precisam de chuva, principalmente no sul do Estado, mas o potencial é fantástico”, diz Rubin.
Em 2013/14, o outro extremo do Paraná foi o que mais sofreu. Uma estiagem prejudicou a produtividade da soja no norte do Estado, mas os agricultores já respiram mais aliviados. Osmar Fritsche, de Engenheiro Beltrão, chegou a enfrentar um período seco no plantio do ciclo atual, em outubro, e outro em janeiro, mas nada tão severo. “Espero uma média de 60 sacas por hectare, bem mais que as 45 sacas de 2013/14”, afirma.
Há regiões do Paraná, contudo, que formaram bolsões onde recuos de produtividade não estão descartados. “A tendência é de safra boa no geral, mas há problemas pontuais, como no oeste paranaense”, diz Alan Malinski, analista da Agroconsult. É o caso do município de Boa Esperança. O produtor Mário Ferreira de Souza chegava a escutar a chuva no município vizinho, Campo Mourão. “Mas aqui não caía uma gota”. Ele prevê que a colheita alcançará 64 sacas por hectare, ainda assim acima da estimativa média estadual.
Estendendo a análise do mapa produtivo da soja no país, o termômetro da tensão se aquece na medida em que se aproxima da região que abrange Goiás, noroeste de Minas, sul do Piauí e do Maranhão e oeste da Bahia. Nesta última, as chuvas em janeiro ficaram em 63 milímetros, quando o normal seria 178 mm, conforme a Agroconsult.
Para a primeira quinzena de fevereiro, a previsão é de 67 mm, também abaixo da média de 80 mm. Em muitas dessas áreas, as lavouras de soja ainda estão em fase de enchimento de grãos, período que requer bom nível de umidade (o que significa que os potenciais produtivos já foram afetados e seguem sob risco).
Em Mato Grosso, maior produtor nacional de soja, houve problemas com a falta de chuvas, mas a produtividade é boa até o momento. Com 17% da área colhida, o rendimento médio está em 52,4 sacas por hectare, próximo à média da última safra, segundo o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea).
No front de comercialização, os mato-grossenses já negociaram 49,9% da produção de soja a ser colhida, abaixo dos 61,9% do mesmo período do ano passado. No Paraná, o percentual é de 12%, ante 24% um ano atrás, nas contas do Deral. Ontem, o indicador Cepea/Esalq para a saca de 60 quilos de soja no Paraná estava na casa de R$ 60, quase 8% aquém do mesmo período de 2014.
Em termos de produção, parece que só algum grande fato novo será capaz de fazer os preços da soja mudarem de direção. “Mesmo com problemas climáticos, não haverá uma quebra tão grande”, estima Rubin. A Agroconsult projeta uma colheita de 93,9 milhões de toneladas da oleaginosa no país, um pouco menos do que a Conab (ver Conab e IBGE baixam previsões para produção nacional).
Para a safra 2015/16, a tendência é que a rentabilidade continue baixa, diz Rubin. “No Paraná as margens são mais folgadas [do que em Mato Grosso], mas também tendem a ficar mais apertadas”. E já há quem, como Alexandre Moreira, produtor de Luiziana (PR), tenha decidido não colocar a mão no bolso agora. “Investi R$ 600 mil em máquinas nas últimas três safras, mas parei este ano. Prefiro esperar, até para ver como fica a nossa política econômica”, afirma.
Fonte: Valor Econômico – 13/02/2015
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