Membro da terceira geração de uma família produtores rurais, Rainer Mathias Leh, de 35 anos, olha para a lavoura de cevada com a certeza de que o cereal de inverno tem tido uma importância crescente para os negócios. Na propriedade localizada no distrito de Entre Rios, em Guarapuava, região Centro-Sul do Paraná, a metade dos 1 mil hectares tem se destinado ao cultivo de cevada, com uma produção que chega a 2 mil toneladas por ano. A aposta tem respaldo no mercado: a demanda crescente por malte – obtido, principalmente, a partir da germinação da cevada – sustenta o avanço no campo.
“A demanda do consumo de cerveja no Brasil tem tido uma alta linear. Além disso, o que tem estimulado a produção de cevada é uma mudança no padrão de consumo, com consumidores, cada vez mais, procurando cervejas puro malte ou mistas. É uma demanda sólida. Então, a comercialização [da cevada] é garantida”, aponta Mathias Leh.
A percepção do produtor é referendada pelo Anuário da Cerveja, publicado em agosto pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), com dados referentes a 2022. O levantamento mostra o crescimento contínuo do setor. Em três anos, o número de cervejarias instaladas no Brasil aumentou 25%, enquanto a quantidade de cervejas registradas saltou 26%. Neste contexto, o Paraná aparece em quinto lugar no ranking, com 161 cervejarias e quase 4,4 mil rótulos produzidos. Na lista de municípios, Curitiba está no terceiro posto, com 26 cervejarias implantadas.
O aquecimento da demanda se reflete no campo paranaense. Neste ano, as lavouras de cevada ocuparam 84,9 mil hectares no Estado, aumento de 83% em relação à área destinada em 2013. A projeção é de que a produção do Paraná atinja 387,8 mil toneladas. A produtividade também tem aumentado ano a ano, saltando de 4,1 para 4,5 toneladas por hectare nos últimos 10 anos – com base, principalmente, em melhoramento genético e em boas práticas produtivas.
A produção de cevada tende a se concentrar em torno do polo cervejeiro. Temos visto investimento das cooperativas Castrolanda e Agrária, tanto em pesquisa quanto na parte de processamento e no fomento aos produtores. Com isso, a cevada tem se tornado atrativa, porque remunera melhor que o trigo, por exemplo, e conta com canal de entrega direto. Além disso, a cevada tem vantagens do ponto de vista do cultivo. Se o clima ajudar, o produto vai ter boa qualidade e o preço vai ser bom.
Ana Paula Kowalski, técnica do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema FAEP/SENAR-PR
A produção paranaense de cevada se concentra nas regiões de Guarapuava e de Ponta Grossa, nos Campos Gerais. Segundo o Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria de Estado de Agricultura e Abastecimento (Seab), juntas, as regiões representam quase 90% do cultivo deste cereal no Estado. Aliada aos avanços em tecnologia, a atratividade do produto tem animado produtores até de áreas mais quentes, onde décadas atrás seria impensável plantar cevada.
“O Núcleo Regional de Guarapuava responde por 57% da produção. Ponta Grossa, região onde mais [o cultivo] tem se expandido, respondeu por 32%. Mas o Paraná também ganhou área em núcleos que não produziam cevada, como Jacarezinho e Apucarana, que são mais quentes. Ainda são áreas pequenas, em que os produtores já demonstram interesse em investir neste cereal”, aponta o engenheiro agrônomo Carlos Hugo Winckler Godinho, coordenador de conjuntura do Deral.
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Expansão à vista
Em grande medida, o cenário favorável à produção de cevada está atrelado à cooperativa Agrária. O grupo tem a maior maltaria da América Latina, com produção de 360 mil toneladas de malte por ano, o que corresponde a um terço da demanda nacional. O carro-chefe da unidade é o malte tipo Pilsen, mas, desde o ano passado, também são processadas variedades especiais, como Pale Ale, Vienna e Munique. Além disso, a maltaria trabalha com a importação e revenda de produtos importados, de países como Alemanha, Bélgica, Estados Unidos e Reino Unido. Somando a produção própria ao malte importado, a cooperativa comercializa 500 mil toneladas por ano.
E o Paraná se prepara para assistir a uma expansão no setor. Aliada a outras cinco cooperativas, a Agrária está implantando uma nova maltaria nos Campos Gerais. Com investimentos de cerca de R$ 3 bilhões, a planta deve começar a operar no início de 2024, com capacidade de processamento de 240 mil toneladas de malte. “Um dos motivos do investimento é justamente a oportunidade de mercado, ou seja, a possibilidade de substituir o malte importado pela produção local”, explica o superintendente de negócios da Agrária, Jeferson Caus.
Hoje, cerca de 80% do malte processado pela Agrária vão para as duas grandes cervejarias nacionais: Ambev e Heineken. Entretanto, a cooperativa está de olho no crescimento da onda das cervejas artesanais – também chamadas de craft beer. Há alguns anos, o grupo tem uma equipe destinada exclusivamente a apoiar as pequenas cervejarias e o mercado artesanal.
É um mercado menor, mas que tem uma gama extraordinária de produtos e a Agrária como seu principal fornecedor. E temos que dar condições para esse mercado crescer. São cervejarias com uma relevância grande para o desenvolvimento da cultura cervejeira. Nossa equipe comercial especializada neste nicho desenvolve estratégias, que vão de importar produtos específicos de que eles precisem, como lúpulo ou algum tipo de fermento, a viabilizar logística. Nós queremos apoiar esse setor para que a expansão seja cada vez maior.
Jeferson Caus, superintendente de negócios da cooperativa Agrária
Em razão do aumento da demanda, a Agrária aponta que a tendência deve ser o avanço da área destinada ao plantio de cevada no Paraná. Neste sentido, a cooperativa também presta apoio técnico aos produtores cooperados, inclusive por meio de estudos conduzidos pela Fundação ABC. “Temos inúmeras frentes de trabalho para fazer com que os produtores se apaixonem pela cultura da cevada e para que este produto seja mais uma opção viável”, resume o superintendente de negócios da Agrária.
Expertise na produção está ligada à tradição de migrantes
Principal polo produtor de cevada no Paraná, Entre Rios tem tradição histórica no cultivo. Fundado em 1951, o distrito de Guarapuava é formado por migrantes conhecidos como Suábios do Danúbio – povos de origem e cultura germânica, que se viram obrigados a deixar a Europa após a Segunda Guerra, em razão de conflitos étnicos e políticos. Os avós de Rainer Mathias Leh estavam entre os pioneiros que trouxeram a expertise de suas práticas agrícolas, de quando moravam na região da Slavonia – onde hoje fica a Croácia.
“A produção de cereais de inverno vem junto com essa herança. Inicialmente, começaram com o trigo. Nas décadas de 1960 e 70 iniciou o cultivo da cevada e viram, então, que tinha potencial até maior que o do trigo”, conta Mathias Leh.
Na ocasião, os pioneiros tiveram que lidar com problemas técnicos, como dominar a acidez do solo. Com apoio da Embrapa, os migrantes contornaram as dificuldades e se consolidaram como principais produtores de cevada do país. Desde então, a tradição tem sido passada de geração para geração.
“Eu já nasci com o problema resolvido. O trabalho árduo quem teve foram meus avós e meus pais. Eu só tenho a obrigação de seguir adiante”, diz o produtor. Pai da pequena Helena, Mathias Leh leva, eventualmente, a filha para acompanhar o trabalho no campo, que já vai se preparando para a quarta geração.
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