Vale a pena apostar na honestidade das pessoas? Esta pergunta foi feita a dois ex-alunos do SENAR-PR, que nas últimas semanas se notabilizaram por confiarem totalmente na sua clientela, a ponto de deixar seus produtos para comercialização expostos sem nenhuma vigilância, confiando apenas na boa índole dos fregueses.
No distrito de Água Boa, no município de Doutor Camargo, região Noroeste do Paraná, a produtora e engenheira-agrônoma Virlene Jardinetti montou uma barraca à beira da estrada onde os fregueses se servem dos produtos disponíveis (doces, geleias, conservas, etc.). Após a escolha, deixam o dinheiro da compra em uma caixa, onde pegam o troco se for necessário.
Desde que iniciou esta atividade, há pouco mais de três meses, a produtora não registrou nenhum caso de furto, ou vandalismo. Pelo contrário, na caixinha de sugestões vive cheia de mensagens de boa sorte e felicitações pela iniciativa.
Segundo Virlene, a opção pelo autoatendimento se deu frente à impossibilidade de ter uma pessoa dedicada às vendas em tempo integral. “Comecei produzindo alguns doces, geleias e conservas com o excedente da nossa própria produção. Pensamos em comercializar aqui no sítio, daí surgiu a ideia de montarmos a barraquinha de autoatendimento na beira da estrada, em frente nossa porteira, acreditando na honestidade das pessoas, pois não temos tempo disponível para ficarmos lá por conta dos trabalhos no sítio”, explica a produtora, que agora estrutura a criação de atrativos para explorar também o turismo rural na propriedade.
Para conquistar estes sonhos, ela buscou o conhecimento do SENAR-PR. “Já fiz curso de derivados do leite, conservas, doces pastosos, horta orgânica e turismo rural”, conta Virlene. O aprendizado se traduz em aromas e sabores que fazem sucesso com sua honesta clientela. A variedade é enorme: doce de leite, de banana, de abóbora, de mamão, de abacaxi com pimenta, cricri de laranja, bala de banana, geleia de laranja, de pimenta, de maracujá, conserva de pimenta, pepino, jurubeba.
“Com os cursos [do SENAR-PR] adquirimos conhecimento em áreas que até então não tínhamos, como na produção de doces, as técnicas de armazenamento, como manipular e processar os alimentos de forma correta, além das receitas.
Também nos ajudou a enxergar as oportunidades de negócio a partir daquilo que dispomos”, analisa a empreendedora, que já solicitou à mobilizadora do Sindicato Rural que atende seu município para realizar a segunda etapa do curso de turismo rural. “Estamos estruturando, montando o sítio para o turismo rural, voltado para escolas, grupos de terceira idade, estudantes universitários. Também vamos preparar a documentação para certificação orgânica do sítio. Também teremos uma horta ‘colha e pague’ e futuramente um pomar”, adianta a produtora.
Como só funciona durante os sábados, domingos e feriados, a Barraca da Honestidade, como vem sendo chamada, não tem impacto relevante na renda da família, pelo menos por enquanto. Porém, outro bem, muito mais valioso, é o reconhecimento e o carinho que vem recebendo da comunidade, que se expressa por meio de mensagens deixadas na caixa de sugestões. Na maioria das vezes, os bilhetes parabenizam a empreendedora e a qualidade dos doces, e em todas está o desejo de boa sorte nos negócios.
Corrente do bem
A Barraca da Honestidade da família da engenheira-agrônoma Virlene inspirou outra proposta semelhante no Estado. No final de maio, foi colocada na estrada a Kombi da Honestidade, iniciativa da Associação dos Produtores do Turismo Rural de Japurá (Aprotur), que funciona no sistema “peque e pague”, tudo na base da confiança.
“A Kombi fica em um ponto, o pessoal vai de manhã organiza, por volta do meio-dia alguém da associação confere se é necessário repor algum produto, colocar mais troco e aí no final da tarde retornamos”, explica o produtor rural e presidente da Aprotur, Claudinei Rigo.
Dentre os produtos comercializados estão frutas, hortaliças, conservas, doces e uma infinidade de opções. Tudo é doado por produtores associados e/ou por pessoas que se sensibilizam com a iniciativa. Toda a renda obtida com as vendas é direcionada à Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Japurá.
Segundo Rigo, nos primeiros quatro dias em que a Kombi esteve aberta ao público a venda dos produtos rendeu mais de R$ 1,5 mil. O valor é cerca de 30% maior do que deveria ser o arrecadado com a comercialização. “Descobrimos que o pessoal doou o troco também”, explica.
Nesta primeira incursão, a Kombi ficou estacionada em um ponto da BR-467, que liga Japurá a São Carlos do Ivaí, em frente à Associação Banco do Brasil. “Vamos variar o local, como em uma rodovia em frente à cooperativa Cocamar e dentro do município, perto de uma feira agropecuária”, detalha o dirigente da associação.
O SENAR-PR faz parte desta história. Ex-aluno do Programa Empreendedor Rural (PER), Rigo conta que experimentou grandes mudanças após participar da capacitação. “Na parte de organização, planejamento, é tudo anotado, conferido produto por produto. O [programa] Empreendedor Rural fez com que eu entendesse que vale a pena levar tudo na ponta da caneta”, recorda.
Assim como no caso da barraca de Doutor Camargo, os fregueses da Kombi passaram no teste da honestidade. “Vale a pena [confiar nas pessoas]. Estamos até emocionados. Ouvimos falar tanto da cultura brasileira, que o brasileiro é isso, é aquilo, mas não tivemos nada de vandalismo, furto. Só coisa positiva. Isso faz com que a gente se anime e acredite no nosso povo”, reflete Rigo.
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