Emocionada e sob aplausos, Angelina Viel recebeu um arranjo de orquídeas das mãos do presidente do Sistema FAEP/SENAR-PR, Ágide Meneguette. Em seguida, posicionou-se entre ele e o superintendente do SENAR-PR, Carlos Augusto Albuquerque, para algumas fotos. Aquela era uma homenagem que marcava o ato final de uma trajetória de décadas dedicadas à entidade e ao setor agropecuário. Naquela quarta-feira, 27 de março, dona Angelina – como se tornou conhecida – se aposentou do cargo de chefe de gabinete da entidade, que ocupou ao longo de 40 anos. No auditório, as lágrimas no rosto de colegas sugeriam que o convívio com ela fará falta.
“Deixo amigos e colegas, levo saudades e lembranças… levo muito amor no coração. Afinal de contas, por 40 anos, a FAEP foi minha vida”
Angelina Viel
Ao longo desse período, dona Angelina esteve nos bastidores dos principais capítulos do setor agropecuário do Paraná. Mais que isso, ajudou a organizar cada passo da entidade. Discreta, com perfil executivo e de personalidade marcante, foi o pulso firme que garantiu ao Sistema FAEP/SENAR-PR condições de fazer tanto por produtores e sindicatos rurais – ou seja, para o próprio agronegócio. Foi a mulher de confiança do gabinete para que as coisas acontecessem.
“A trajetória da Angelina está atrelada à da FAEP, do SENAR-PR, dos sindicatos rurais e da agropecuária paranaense. Ela trabalhou incansavelmente por todos, e o resultado está aí: temos um Sistema FAEP/SENAR-PR forte e um setor pujante. Devemos muito à Angelina e esse reconhecimento é merecido”, destaca Ágide Meneguette, presidente do Sistema FAEP/SENAR-PR.
Início
Nascida em Erechim, no Rio Grande do Sul, os caminhos conduziram Angelina Viel a Curitiba. Chegou à capital paranaense aos 10 anos, com a mãe e o irmão. Como as condições se impunham, começou a trabalhar cedo: aos 15 anos foi contratada pelo antigo Departamento Estadual de Estatística (DEE). A aproximação com o setor rural se iniciou adiante, em 1972, aos 31 anos, quando foi contratada pela Secretaria de Estado da Agricultura, na gestão do secretário Roulien Basaglia. Permaneceu na pasta até a década de 1980, em governos subsequentes, com outros secretários. Naqueles anos, conheceu um jovem aluno de Engenharia Agronômica, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), chamado Ágide Meneguette.
“O doutor Ágide, como estudante, já frequentava a secretaria. Eu o conheci como aluno”, relembra. “O trabalho na secretaria era muito diferente. Eu ajudava na parte de gabinete e também na parte jurídica. Como o secretário despachava toda semana com o governador, tinha que organizar e preparar a documentação. Mas a secretaria não era tão envolvida no desenvolvimento de políticas como é a FAEP”, conta dona Angelina.
Em meados da década de 1980, Paulo Carneiro, ex-secretário de Agricultura, foi eleito presidente da FAEP. Com ele, trouxe quatro funcionários – entre eles, Angelina Viel –, com quem havia trabalhado nos anos de governo. Nessa época, a Federação tinha uma equipe enxuta, mas com ganas de querer fazer as coisas, de promover o desenvolvimento do setor agropecuário. Em um grupo afinado, ela se sentiu em casa – a casa que ocuparia pelos próximos 40 anos.
“A FAEP já tinha um movimento muito forte com os sindicatos, esse papel de reivindicação. Mas a entidade não era tão grande como é hoje. O doutor Paulo [Carneiro] deu uma nova face à FAEP. Ele era um gentleman, tanto que o chamavam de lorde canadense… Canadense, porque ele tinha importado gado do Canadá”, diz dona Angelina. “Eu me senti em casa”, define.
Por aqueles anos, a Federação enfrentou um grande desafio. A contribuição sindical obrigatória era recolhida pelo Incra e repassada à entidade. Por um período de oito meses, no entanto, a FAEP deixou de receber os repasses. Sem receita, a instituição se viu em dificuldades. A equipe precisou de jogo de cintura para contornar a grave conjuntura. E deu certo.
Em 1991, Ágide Meneguette substituiu Carneiro na presidência da FAEP. Na gestão anterior, Meneguette já era um vice atuante, de modo que a equipe permaneceu unida. Em tempos de máquinas de escrever, mimeógrafos e aparelhos de fax, os processos de trabalho eram diferentes. E todos se uniam em cada etapa, fosse para dobrar à mão os jornais que seriam enviados ao interior, fosse para etiquetar milhares de correspondências. Costumavam sempre permanecer na entidade depois do expediente, até por volta das 20h30. Mesmo quando não havia, propriamente trabalho, ficavam conversando, celebrando.
“O clima era de amizade, de companheirismo. Ninguém escolhia serviço. Todo mundo fazia o que tivesse por fazer. O trabalho era de todos”, conta Angelina. “Quando a FAEP voltou para a sede no Centro [de Curitiba], passamos cera no chão, com esfregão. Todo mundo. Eu tenho saudade daquela FAEP”, diz.
Nessa época, Meneguette também passou a intensificar a interlocução com agentes políticos de Brasília. Ia ao Congresso e ao Ministério da Agricultura, fosse para pleitear recursos, fosse para contribuir com a criação de políticas públicas. Adiante, a FAEP também ampliou sua mobilização, incluindo viagens em caravanas de ônibus à capital federal. E lá ia Angelina, encarar horas de estrada e hotéis simples de beira de estrada, para fazer coro aos movimentos do setor agropecuário paranaense. Também testemunhou a criação do SENAR-PR e o crescimento da Federação, até que as entidades se transformassem no que são hoje: o Sistema FAEP/SENAR-PR, que também engloba mais de 160 sindicatos rurais espalhados pelo Estado.
“O doutor Ágide sempre foi mais briguento, no sentido de defender o setor, de ir à público e criticar, quando necessário. Sempre teve esse jeitão, de nunca ficar quieto quando se trata de defender a classe”, observa dona Angelina.
“Nós nunca tivemos luxo. E era muito importante, porque todo esse movimento fez com que a FAEP fosse reconhecida. Foi isso tudo que fez com que nos tornássemos o Sistema FAEP/SENAR-PR”
Angelina Viel
Mulher múltipla
Serena, Angelina Viel é do tipo que não gosta de holofotes. A sobriedade se faz notar pelo estilo: apesar da elegância, opta por modelos discretos, que realçam a seriedade de seu caráter. “Nós temos que ser formais. É a nossa personalidade, enquanto entidade. Temos que ter formalidade na escrita, no tratamento. Eu sou amiga do doutor Ágide há décadas e até hoje o chamo de doutor”, exemplifica. Na linha da formalidade e discrição, dona Angelina evita falar de si. Se você perguntar que características ela tem que foram imprescindíveis para chefiar o gabinete do Sistema FAEP/SENAR-PR por décadas, dona Angelina vai desconversar.
Mas se você insistir, ela vai reconhecer em si alguns atributos importantes, como o perfeccionismo e a exigência. E dona Angelina explica: tudo isso é necessário para que as mínimas ações sejam feitas com excelência, em nome do setor agropecuário e do Sistema FAEP/SENAR-PR. “As coisas precisam estar perfeitas. Tudo que sai do gabinete, sai com o nome do presidente. Então, não pode ter nada errado. Sempre tivemos isso, de que não podemos ter a mínima tolerância com erros”, explica.
Ex-superintendente do SENAR-PR e atual presidente da Comissão Técnica (CT) da Bovinocultura de Leite da FAEP, Ronei Volpi trabalhou com dona Angelina por mais de 50 anos, desde os tempos em que ela prestava serviços à Secretaria de Agricultura. Ele destaca a importância do esmero detalhista e da busca incessante pela qualidade que a profissional sempre demonstrou.
“Ela sempre foi um suporte muito forte, dando a segurança administrativa a todos da entidade. Ela tem uma habilidade notável em redação, seja para textos gerais ou para correspondência. E sempre foi muito sincera, inclusive para criticar de forma construtiva. Eu respeito a mulher que ela é e a admiro pela vitalidade que tem”, declara Volpi.
O superintendente do SENAR-PR, Carlos Augusto Albuquerque, vai além. Para ele, dona Angelina é uma mulher múltipla. À faceta de profissional exigente, ele acrescenta a característica de “mãezona”, aquela que gosta de cuidar das pessoas. Ao mesmo tempo, mesmo diante dos maiores desafios, ela sempre manifestou um afinado senso de humor. Tudo isso, sempre com a competência, que a notabiliza.
“A Angelina foi o equilíbrio da casa. Tem uma grande personalidade, sempre trabalhou sem medir esforços e sempre foi muito organizada. Ela foi uma grande executiva, que fazia o que precisasse fazer”, aponta Albuquerque. “Ao mesmo tempo, era a mãezona de todos. E sempre divertida, com bom humor. Tanto que se tornou uma figura pública no setor. Pergunte para presidentes de sindicatos, para as mulheres do agro e para deputados. Todos conhecem a Angelina e sabem a importância que ela teve”, ressalta.
“Recordamos com carinho a presença sempre marcante de Angelina, guiada pela razão, zelo, mas sempre com um sorriso no rosto. Sua capacidade de liderança e sua habilidade em tomar decisões assertivas foram fundamentais para os direcionamentos estratégicos e as conquistas alcançadas pela FAEP ao longo dos anos”, disse o presidente do Sindicato Rural de Cascavel, Paulo Orso. “Por tudo o que você fez e representou para a FAEP e para a comunidade agrícola do Paraná, queremos expressar nossa mais sincera gratidão”, acrescentou.
Apesar de não ser do tipo que gosta de sair muito de casa ou de viajar, Angelina Viel resolveu atender ao pedido dos filhos Carla e Marco e dos netos Leonardo e Felipe, e se aposentar. Aos 83 anos de idade, vai, enfim, curtir o merecido descanso, após tantos anos de empenho devotado à entidade. “Sempre vou levar a FAEP comigo. Minha vida não teria sido minha vida sem a FAEP. E vou ter saudades”, concluiu.
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