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Alimentos: um terço de tudo o que é produzido se perde

Estudos realizados pelo Swedish Institute for Food and Biotechnology (SIK) divulgados recentemente revelam que um terço de tudo o que é produzido se perde no sistema alimentar mundial. Aumentar a eficiência na produção e distribuição de alimentos e estimular o consumo responsável são a receita para reduzir perdas sem afetar a oferta e, ainda, gerar impactos positivos para o ambiente.

O planeta deve atingir 9,1 bilhões de habitantes em 2050. Para alimentar essa população, estima-se a necessidade de 60% mais alimentos do que os produzidos hoje. Além disso, em razão do aumento da renda nos países emergentes e da ocidentalização dos hábitos alimentares, a demanda será, cada vez mais, por alimentos processados. O consumo de carnes, por exemplo, símbolo de um padrão alimentar de país rico, já está crescendo no mundo todo. Sua produção exige maiores quantidades de água e de terras, tanto para a produção de carne bovina em regime de pastagens como para a produção de forragens, que deverão ser utilizadas na alimentação dos animais. A produção de carnes, na fase agrícola e no seu processamento, emite também muito mais gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global.

No momento, há um grande esforço para renovar a pesquisa agropecuária e introduzir inovações na área de processamento agroindustrial, mas temos avançado pouco nas ações que poderiam resultar em menores perdas no processo produtivo e redução de desperdícios nos domicílios.

Ano após ano, estamos quebrando recordes de produção. A produtividade no campo tem crescido graças ao espírito empreendedor do produtor e das novas tecnologias. No entanto, no Brasil, pouco se sabe sobre as perdas no processo produtivo. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO, em inglês) estima que se possa rapidamente reduzir em 50% o descarte de alimentos bons para o consumo. Com isso, a produção da agropecuária seria impactada e sofreria um corte de 25% até o ano de 2050. Como o setor agropecuário é o principal consumidor de água limpa e gera uma expressiva quantidade de carbono na produção, a redução das perdas e do desperdício poderia provocar efeitos positivos na demanda por terras e na pressão pelo uso da água.

As perdas e o desperdício precisam ser combatidos não apenas porque necessitamos resolver a questão da fome nos grupos em situação de vulnerabilidade, mas também para aliviar a pressão de produzir mais e mais, comprometendo o futuro da humanidade em diversos níveis.

Para solucionar o problema, é preciso conhecer melhor quais são os seus determinantes e características. As perdas na produção de alimentos ocorrem de forma involuntária devido à inadequação no sistema de armazenagem e no transporte. Já o desperdício, ocorre de forma voluntária quando se joga fora alimento bom para o consumo, como é o caso do consumidor que compra demais e não usa ou do supermercado que quer um produto com uma aparência mais atraente. O paradoxo é claro: quanto mais rica fica a sociedade, mais alimentos são desperdiçados. Segundo o estudo recente divulgado pela FAO, 56% das perdas e desperdícios ocorrem nos países desenvolvidos – mais ricos (incluindo a China) -, sendo os restaurantes e domicílios os principais responsáveis por esse prejuízo.
Gado (Foto: shutterstock)

Nos países mais pobres, o desperdício de alimentos é muito pequeno, porém as perdas no processo produtivo são enormes. Atualmente, um em cada cinco habitantes do planeta está abaixo da linha da pobreza extrema, vivendo em regiões onde a pressão pelos recursos naturais é enorme. Na realidade, três quartos da humanidade vive em países que não conseguem repor os recursos gastos nos processos produtivos. Dessa constatação, deriva outro paradoxo: produzir mais pode melhorar o nível de bem estar da humanidade e reduzir a fome, mas, a médio e longo prazo, a natureza vai enviar a sua conta e essa conta vai custar caro. Portanto, não se trata apenas de produzir mais, temos que consumir melhor.

Também é preciso ficar atento a outro lado da questão. Estima-se que na América do Norte as perdas e o desperdício sejam equivalentes a 1.520 kcal/pessoa por dia. Esses valores representam praticamente três quartos das necessidades nutricionais básicas diárias de um ser humano. Ou seja, se os norte-americanos reduzissem as perdas e o desperdício a zero, teoricamente, poderíamos alimentar todos os africanos que passam fome. No entanto, não serão as reduções de perdas e desperdício em uma parte do mundo que irão resolver o problema da fome em outro canto do planeta. Evidentemente, as sobras de alimentos não podem ser transportadas de um lado para o outro e, muito provavelmente, o aumento da produtividade, a economia de recursos no processo produtivo e um consumo mais responsável não levariam a uma baixa de preços proporcional. Por esse motivo, os resultados da redução das perdas e do desperdício, para efeito de combate à fome, vão depender de outras variáveis como as estruturas de funcionamento dos mercados de alimentos, a regulação dos estados e as condições de acesso por parte dos consumidores.

Assim como o Brasil, vários países – incentivados pela FAO – resolveram atacar de frente o problema da fome, buscando a liderança no combate às perdas e desperdício. Na luta para reduzir a insegurança alimentar, quem também se beneficia é o ambiente. Nosso país, mais uma vez, pode ser um bom exemplo. Neste ano, o Prêmio Jovem Cientista aborda o tema “Segurança Alimentar e Nutricional”. A iniciativa busca contribuições viáveis e novas tecnologias que possam garantir, ao mesmo tempo, o acesso ao alimento de qualidade e a conservação dos serviços ecológicos dos quais a produção de alimentos depende. É a oportunidade para que jovens pesquisadores possam apresentar inovações, que vão desde os desafios no campo até a formulação de políticas públicas. Podemos desenvolver soluções simples e já existem tecnologias baratas à disposição de empresas e consumidores. Aliado a isso, os governos estão dando incentivos à produção sustentável e os consumidores estão valorizando produtos que preservam a natureza. Essa é uma agenda de pesquisa na qual todos têm a ganhar.

* Professor titular de economia agrícola do Instituto de Economia da Unicamp e membro do painel de especialistas do Conselho Mundial de Segurança Alimentar das Nações Unidas

Fonte: Revista Época

André Amorim

Jornalista desde 2002 com passagem por blog, jornal impresso, revistas, e assessoria política e institucional. Desde 2013 acompanhando de perto o agronegócio paranaense, mais recentemente como host habitual do podcast Boletim no Rádio.

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