Com a população mundial se aproximando da marca dos nove bilhões de pessoas em 2050, a produção de alimentos terá que aumentar em 70% para fazer frente a essa explosão populacional projetada pelos demógrafos. A demanda global de energia, por sua vez, terá que sofrer um incremento de 36% nas próximas duas décadas. Nesse cenário a água passou a ser alvo de uma disputa acirrada entre a agricultura, as cidades e a indústria. Se existia ainda alguma dúvida de que esse recurso natural está se transformando na “coluna vertebral da economia verde do amanhã”, como já previu a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO, na sigla em inglês), hoje a tese já virou certeza absoluta.
O Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD, na sigla em inglês) lançou, no último dia 20, um relatório que discutia exatamente isso: o nexo causal entre recursos naturais, especialmente a água, e a produção de alimentos num cenário de mudanças climáticas. O documento Cootimizando soluções: água e energia para o alimento, ração e fibra foi divulgado em Bonn, na Alemanha, durante a conferência Sustentabilidade em Água-Energia-Alimentos.
Pelas projeções do WBCDS, a competição mundial pelos recursos hídricos pode causar uma redução de até 18% na disponibilidade de água para a agricultura. O setor é disparado a atividade econômica que mais demanda água no mundo: 70% contra 22% da indústria e 8% do consumo doméstico.
Apesar de não estar citado nominalmente no documento, o Brasil, que sempre foi identificado como rico em recursos naturais e abundante em água, já começa a sentir os impactos das mudanças climáticas. A crise no Sistema Cantareira, que levou consumidores e indústria a sofrerem com falta de água na capital paulista, chamou a atenção para uma situação até há pouco tempo circunscrita às regiões mais áridas do país. A falta de água em São Paulo virou exemplo simbólico dos efeitos da crise que se avizinha.
Não à toa o estresse hídrico passou a fazer parte das discussões das empresas, inclusive daquelas para as quais a água é um recurso secundário. “O risco hidrológico passou a fazer parte do planejamento estratégico das empresas brasileiras”, afirma Fernando Maia, diretor de Relacionamento Institucional do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds).
A Ambev, para quem a água é um recurso prioritário, vem tentando mitigar o problema. Há quatro anos iniciou o Projeto Bacias com vistas a melhorar a qualidade da água e aumentar a sua disponibilidade. “A empresa vem desenvolvendo modelos customizados de intervenção”, explica Simone Veltri, gerente de relações socioambientais da empresa, comentando que o projeto começou pela cidade satélite do Gama, no Distrito Federal, onde a empresa tem uma fábrica.
A região é abastecida pela Bacia Hidrográfica Corumbá-Paranoá. O projeto é tocado em parceria com a ONG ambientalista WWF. O objetivo da Ambev é melhorar a qualidade da água do rio Crispim, que sofre com esgoto in natura. As intervenções ocorrem através do plantio de mudas nativas e educação ambiental com a população do entorno.
Em 2013, o projeto-piloto do Gama foi replicado para São Paulo, onde a empresa tem uma fábrica em Jaguariúna, nos arredores de Campinas. Lá, em parceria com a TNC, o esforço é pela preservação da Bacia Hidrográfica dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí e o foco é a venda de serviços ambientais via restauração da mata ciliar e a manutenção do que resta de floresta em pé. O próximo passo será estender o Projeto Bacias para Sete Lagoas, em Minas Gerais.
Nos dois últimos anos a empresa diminuiu em 7% o consumo de água na produção, volume suficiente para abastecer uma cidade grande, de 800 mil habitantes, durante um mês. A Ambev gasta 3,34 litros de água para cada litro de bebida envasado. A redução drástica do consumo de água na produção levou a empresa a virar benchmark no mercado global de bebidas.
Como a mudança climática não é mais uma preocupação do futuro, e sim do presente, como enfatiza o professor Carlos Martinez, da Universidade de São Paulo (USP), a escassez de água já preocupa pecuaristas. É que o Brasil é um dos maiores exportadores mundiais de carne e, a cada incremento da temperatura, o prejuízo aumenta.
Testes vêm comprovando que a adubação da gramínia com ureia aumenta a emissão de óxido nitroso na atmosfera. O fertilizante é usado em larga escala por apresentar uma excelente relação custo benefício, ou seja, a combinação de preço baixo com alto desempenho. Só que o óxido nitroso aumenta a temperatura em três vezes. A pesquisa tem por objetivo criar alternativas para a ureia na pecuária brasileira.
Pepsico, DuPont, Monsanto, Dow e Syngenta vêm testando soluções alternativas para o desafio de integrar produção de alimentos e energia à disponibilidade de água no mundo. Há testes para produzir arroz mais tolerante à salinidade, além do uso de plástico biodegradável na agricultura para reduzir a evaporação de água.
Fonte: Valor Online – 05/06/2014
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